O retorno da La Niña vai piorar a crise hídrica brasileira?

No ano passado a La Niña reduziu os acumulados de precipitação durante o período chuvoso no Centro-Sul do Brasil, piorando o cenário hídrico brasileiro. Então, será que com o retorno da La Niña neste ano teremos um cenário hídrico ainda pior?

La Niña e crise hídrica
Último campo de anomalia de TSM para o dia 21/10/2021. Fonte: NOAA Coral Reef Watch.

Com o estabelecimento da La Niña sobre o Pacífico Tropical pelo segundo ano seguido e uma situação hídrica já bastante complicada no Brasil, a principal preocupação é: será que a La Niña vai piorar ainda mais a crise hídrica brasileira?

Se lembrarmos do que ocorreu no ano passado, as condições de La Niña começaram a ser observadas já no mês de agosto, onde as anomalias negativas da Temperatura de Superfície do Mar (TSM) já estavam bem definidas sobre o Pacífico Tropical e a atmosfera já estava respondendo à elas. Dessa forma, os impactos da La Niña no Brasil já estavam sendo sentidos no início da primavera do ano passado, com um déficit significativo de chuvas sendo registrado sobre o Centro-Sul do país logo no início da estação chuvosa.

Anomalia de precipitação para o período de 1 a 20 de outubro para os anos de 2020 (esquerda) e 2021 (direita). Fonte: CPTEC.

A La Niña desse ano veio um pouco mais tarde, as condições oceânicas e atmosféricas associadas a esse padrão surgiram sobre o Pacífico no início de outubro. Portanto, as chuvas da primavera ocorreram antes da chegada da La Niña no Centro-Sul do Brasil, trazendo certo alívio para essa região que vivia um longo período de déficit hídrico, ajudando a umedecer o solo que estava extremamente seco.

O período chuvoso desse ano começou bem, antes da influência da La Niña. Porém, nos próximos meses a situação pode mudar!

Então a estação chuvosa deste ano já começa melhor comparado a de 2020. Inclusive o mês de outubro deste ano já registra anomalias positivas de precipitação em boa parte do Centro-Sul e Norte do Brasil. Isso nos mostra que o período chuvoso está se configurando dentro do esperado, diferente do ano passado que registramos um atraso da estação chuvosa.

Embora o início do período chuvoso pareça promissor, é preciso ter cautela! Afinal, a La Niña está só começando e ela poderá impactar as chuvas no Brasil justamente no período em que elas costumam ser mais abundantes, que é durante o trimestre de verão (dezembro, janeiro e fevereiro).

E como serão os próximos meses?

As previsões da maioria dos modelos indicam que a La Niña se estabelecerá de fato no último trimestre de 2021, quando as anomalias negativas de TSM sobre o Pacífico Tropical estarão mais intensas e espalhadas por grande parte da bacia.

Outra importante fonte de variabilidade que não podemos ignorar é o Atlântico! Os campos de previsão indicam que o Atlântico Tropical ficará mais quente que o normal, principalmente o Atlântico Tropical Sul, enquanto que o Atlântico Subtropical Sul ficará com anomalias mais neutras ou ligeiramente abaixo da média. Essa é uma configuração que geralmente favorece as chuvas nas regiões Nordeste e Norte, até mesmo parte do norte da região Sudeste.

Previsão sazonal, período novembro/dezembro/janeiro, das anomalias de TSM do modelo CFSv2. Fonte: GrEC/USP.

Já mais ao sul do Atlântico Sul, sobre as latitudes extratropicais, os modelos preveem que as TSMs estarão mais quentes que o normal desde a costa da Argentina e Uruguai até o meio do oceano, formando uma espécie de “corredor de águas quentes”. Esse corredor provavelmente será a rota favorita dos ciclones extratropicais que eventualmente se formarão/ passarão próximos da região Sul, mas se deslocarão rapidamente sobre essas águas quentes.

Considerando então os efeitos combinados da La Niña e as anomalias de TSM do Atlântico, tudo indica que nos próximos meses, as chuvas ficarão acima da média em grande parte das regiões Norte e Nordeste, pegando até mesmo o norte das regiões Sudeste e Centro-Oeste. Porém, o sul dessas regiões, ou seja, os estados de Mato Grosso Sul e São Paulo, não terão chuvas tão abundantes. Já a região Sul provavelmente terá acumulados abaixo da média durante o verão, principalmente o Rio Grande do Sul.