Nutrientes na hora certa: estudo desvenda o cronômetro interno do café e abre caminho para lavouras mais verdes

Pesquisa inédita detalha o relógio nutricional do café conilon, apontando picos de nitrogênio e potássio durante o ciclo e indicando como devolver a casca ao solo pode economizar fertilizante e reduzir impactos ambientais.

Café, pesquisa, Brasil
Colher no momento exato maximiza a qualidade do grão, preserva nutrientes valiosos na casca para reciclagem no solo e reduz a necessidade de fertilizantes externos.

Do campo ao laboratório, o café é uma verdadeira potência econômica e cultural: o Brasil lidera a produção mundial e movimenta bilhões de reais todos os anos, sustentando milhões de empregos ao longo da cadeia do grão. No entanto, cada xícara tem um custo invisível, a enorme quantidade de nutrientes removida do solo durante a colheita, que precisa ser reposta para manter a produtividade sem degradar o ambiente.

Foi justamente esse desafio que motivou pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) e da Universidade de Lisboa, em Portugal, a destrinchar o “relógio nutricional” de seis genótipos de Coffea canephora cultivados em São Mateus (ES).

Café, Espírito Santo, adubo
O café atinge seu pico nutricional quando está maduro: é nesse estágio que concentra mais compostos essenciais para o sabor, o aroma e o valor agronômico da colheita.

Ao acompanhar o fruto do café, sua casca e o grão durante todo o processo de maturação, a equipe revelou em que momento cada nutriente é mais demandado, um passo fundamental para adubações de precisão que poupam recursos, reduzem impactos ambientais e, de quebra, podem aprimorar o sabor que chega à sua xícara.

O que acontece dentro do fruto

Nas primeiras semanas após a florada, o café investe energia na formação da semente, que chamamos de grão. É nessa etapa que o nitrogênio dispara: ele participa da síntese de proteínas e da estrutura celular, garantindo que o grão ganhe corpo e vigor. Entre a 35ª e a 45ª semana, a concentração de N pode dobrar, sinal claro de que o produtor deve reforçar a adubação nitrogenada nesse intervalo.

Florada, café
O desenvolvimento do café após a florada segue um ritmo preciso: cada semana marca transformações internas que definem o acúmulo de nutrientes e o momento ideal para a colheita.

Já o potássio tem um comportamento curioso. Ele sobe rápido no início, estabiliza por algumas semanas e volta a crescer perto da colheita. Além de regular a abertura dos estômatos, “poros” que controlam a transpiração, o K influencia diretamente a doçura do café. Por isso, manter níveis adequados até o fim do ciclo evita a perda de qualidade sensorial.

Casca: de resíduo a fertilizante valioso

Quando a baga é descascada, sobra um volume que muita gente considera rejeito. Só que a casca guarda um tesouro de nutrientes:

  • Alta concentração de potássio, podendo chegar a 40 kg para cada tonelada de grãos beneficiados
  • Teores expressivos de nitrogênio e cálcio, úteis para manter o pH do solo estável
  • Fibras que melhoram a matéria orgânica e a retenção de água
  • Compostos aromáticos que repelem algumas pragas do cafeeiro

Ao devolver essa casca às lavouras, o produtor recicla nutrientes e poupa dinheiro. É como fechar o ciclo, transformando um passivo ambiental em adubo natural, prática que, aliás, reduz até 15 % das emissões de CO₂ associadas ao cultivo.

Do estudo ao cafezal brasileiro

No cenário nacional, dois desafios se impõem. O primeiro é o clima diverso: enquanto o Espírito Santo lidera com o Conilon em áreas quentes e úmidas, Minas Gerais investe no Arábica de altitude.

Adaptar o calendário de adubação a cada microclima exige extensão rural qualificada e mapas de solos detalhados, algo que ainda avança a passos lentos.

O segundo desafio é o custo do fertilizante, altamente sensível à cotação do dólar. Ao identificar os períodos críticos de absorção, o agricultor pode substituir três aplicações genéricas por duas pontuais, economizando até 25 % em insumos. Nesse cálculo, entra também a logística da casca: cooperativas já testam usinas móveis que trituram e compõem o material no próprio terreiro, reduzindo frete e acelerando a devolução ao campo.

Apesar dos obstáculos, as oportunidades são enormes. Cultivares mais precoces, que completam o ciclo em 45 semanas, permitem colheitas escalonadas e aproveitamento melhor da mão de obra. Já as tardias, que acumulam nutrientes por mais tempo, geram grãos maiores e podem ser direcionadas ao mercado premium. Integrar essas informações em aplicativos de manejo, acessíveis pelo celular, é o próximo passo para levar a agricultura 4.0 aos pequenos produtores.

Referência da notícia

Nutrient dynamics in the berry, bean, and husk of six Coffea canephora genotypes throughout fruit maturation. 29 de julho, 2025. Salvador, H.P., Vieira, H.D., Gontijo, I. et al.