Mata Atlântica: quem é dono da terra decide o futuro da floresta

Publicada na Nature Communications, pesquisa de UC Berkeley e parceiros revela que Terras Indígenas e assentamentos sustentam mais restauração duradoura que áreas privadas, destacando o papel da governança e dos incentivos na Mata Atlântica brasileira.

Rio de Janeiro, RJ
A Mata Atlântica atua como um grande regulador do clima, ajudando a manter a umidade, reduzir extremos de temperatura e garantir o abastecimento de água nas cidades.

A Mata Atlântica voltou a crescer em vários trechos do mapa brasileiro, mas nem toda área que reverdece permanece. Uma nova pesquisa publicada na revista Nature Communications analisou onde a restauração “pega” de verdade e onde volta a ser derrubada, mostrando que o destino da floresta muda conforme o regime de posse da terra.

O trabalho reforça que a regra do jogo (quem manda e como decide) pesa tanto quanto chuva e solo quando o assunto é floresta que fica.

O estudo foi conduzido por cientistas ligados à University of California, Berkeley, ao Santa Fe Institute, à University of Vermont e à Columbia University, equipes que cruzaram décadas de dados para comparar resultados em propriedades privadas, Terras Indígenas, assentamentos de reforma agrária, territórios quilombolas e áreas protegidas.

O que a pesquisa revelou

Os autores encontraram um padrão nítido: Terras Indígenas e assentamentos de reforma agrária apresentaram, em média, mais ganhos duradouros de cobertura florestal do que propriedades privadas. Ao mesmo tempo, esses regimes comunais também registraram mais “reversões”, isto é, casos em que a vegetação volta e, depois de alguns anos, é suprimida, um sinal de que a produção convive com a restauração.

Animais, desmatamento
Mesmo após séculos de desmatamento, a Mata Atlântica ainda concentra milhares de espécies únicas de plantas e animais, muitas delas ameaçadas de extinção.

Por trás disso está a governança. Sistemas de gestão coletiva, vigilância social e vínculos culturais tendem a criar condições de cuidado contínuo. Já em parte do setor privado, pressões de mercado e insegurança regulatória favorecem decisões de curto prazo. O recado é simples de entender: regras de posse e qualidade da governança moldam a persistência da restauração, e não apenas a velocidade com que ela começa.

Por que a governança importa

Florestas são sistemas ecológicos que respiram política. Onde comunidades têm poder real de decidir, e onde esse poder é reconhecido, a restauração ganha tempo para amadurecer.

Terras Indígenas e quilombolas, por exemplo, combinam direitos territoriais com práticas tradicionais de uso, o que ajuda a evitar o efeito “vai e volta” da cobertura vegetal.

Em linguagem direta, a pesquisa aponta três caminhos práticos:

  • Proteger regimes comunais contra grilagem e pressões de privatização.
  • Incentivar explicitamente a regeneração natural, e não só o plantio ativo.
  • Reforçar direitos territoriais e de autodeterminação como estratégia de restauração.

E o que isso muda no Brasil

Para políticas públicas, o aprendizado é direto: reconhecer, demarcar e garantir a integridade de Terras Indígenas e territórios quilombolas não é apenas justiça histórica, é estratégia climática eficiente. Esses territórios já estão contribuindo para as metas de restauração do país, e fortalecer sua segurança fundiária amplia os ganhos ecológicos e sociais no longo prazo.

No campo privado, o desafio é alinhar incentivos ao “verde que fica”.

Transparência no Cadastro Ambiental Rural (CAR), crédito rural atrelado à conservação, pagamento por serviços ambientais e cadeias de suprimento que exijam rastreabilidade podem transformar ganhos temporários em floresta estável.

O estudo também se destaca pela abertura: os autores disponibilizaram dados e código, o que aumenta a confiança dos resultados e permite que gestores, ONGs e produtores testem soluções no mundo real.

Referência da notícia

Land tenure regimes influenced long-term restoration gains and reversals across Brazil’s Atlantic forest. 31 de outubro, 2025. Benzeev, R., Zhang, S., Piffer, P.R. et al.