Lagarta-do-cartucho segue o cheiro: pesquisa com milho e crotalária aponta caminho para menos veneno

Cientistas brasileiros desvendaram como o cheiro do milho atacado guia a lagarta-do-cartucho e explicaram por que bordaduras com crotalária ajudam a reduzir danos, abrindo novas possibilidades de manejo integrado mais barato e sustentável para produtores de milho no país.

Largata, cartucho, milho
A lagarta é uma das principais pragas do milho e representa um desafio constante para os produtores.

O milho é um dos pilares da alimentação e da economia brasileiras, mas vive sob ataque constante da lagarta-do-cartucho (Spodoptera frugiperda). A praga devora folhas e cartuchos, derruba a produtividade e pressiona o produtor a recorrer cada vez mais a inseticidas e tecnologias caras, como híbridos Bt.

O que parecia apenas dano físico esconde um processo químico decisivo na relação entre planta e praga.

Um estudo recente de pesquisadores da UnB e da Embrapa trouxe uma peça nova para esse quebra-cabeça: o “cheiro” do milho atacado guia a mariposa na hora de escolher onde botar seus ovos. E mais: mostrou que uma velha conhecida do campo, a Crotalaria spectabilis, protege a lavoura não por atrair ou repelir a praga, mas por se manter “discreta” nesse diálogo químico.

Quando o milho avisa que está sob ataque

Toda planta libera compostos voláteis, basicamente cheiros, que podem atrair polinizadores, confundir insetos ou avisar a outras plantas que há perigo por perto. Quando a lagarta começa a mastigar o milho, esse “perfume” muda: a planta passa a emitir uma mistura mais intensa e específica de compostos, como se acendesse uma placa luminosa dizendo “aqui é bom para colocar ovos”.

Lagarta, praga
Mariposa adulta de Spodoptera frugiperda, responsável pela postura que inicia novos surtos da praga.

No laboratório, os cientistas deixaram lagartas se alimentarem de plantas de milho e de crotalária e coletaram o ar ao redor das folhas. Com aparelhos sensíveis, identificaram dezenas de substâncias e viram que o milho atacado libera uma combinação de 12 compostos que as antenas das mariposas reconhecem muito bem. Em túnel de vento, as fêmeas acasaladas voavam na direção desse “cheiro de milho em perigo”, confirmando que usam essas pistas químicas para localizar o hospedeiro ideal para a próxima geração.

Crotalária na borda: boa vizinha, não isca milagrosa

E a Crotalaria spectabilis, tão comentada como planta companheira no milho? O estudo mostrou que, quando está sendo atacada, ela também aumenta a liberação de cheiros, mas o “blend” é diferente do milho. Algumas moléculas até se repetem, mas a combinação e as quantidades não são as mesmas, e isso faz toda a diferença para a lagarta-do-cartucho.

Crotalaria, milho
A Crotalaria spectabilis é uma espécie tradicionalmente integrada às bordaduras das lavouras.

Na prática, as mariposas preferem colocar ovos no milho. Em testes de escolha e sem escolha, a postura em crotalária foi sempre bem menor, e o conjunto de cheiros da crotalária não provocou voo dirigido no túnel de vento. Ou seja, ela não funciona como isca perfumada.

  • Não emite o mesmo sinal químico atrativo que o milho atacado.
  • Funciona como barreira viva na borda do talhão.
  • Oferece um hospedeiro ruim para o desenvolvimento das larvas.
  • Ajuda a compor sistemas mais diversos e saudáveis no solo.

Em campo, isso se traduz em talhões de milho com menos dano quando cercados por faixas de crotalária, como já observado em experimentos no Brasil. A ciência agora explica melhor por quê: a planta companheira não “puxa” a praga, apenas não a convida para entrar.

Como aproveitar esse conhecimento

Para o produtor brasileiro, especialmente o agricultor familiar, essa pesquisa traz uma mensagem clara: entender o cheiro da lavoura pode ser tão importante quanto olhar para a cor das folhas. Se a lagarta usa o “perfume” do milho para localizar o campo, faz sentido apostar em bordaduras com uma planta que não emita esse convite e ainda atrapalhe o desenvolvimento das larvas, como a C. spectabilis.

Na prática, faixas de crotalária ao redor do milho podem compor estratégias de manejo integrado de pragas junto com monitoramento por armadilhas, uso criterioso de inseticidas e conservação de inimigos naturais.

O desafio é transformar esse conhecimento em recomendações bem ajustadas para cada região: qual largura da bordadura, em que época semear a crotalária, como encaixá-la no calendário de rotação de culturas e evitar exageros na promessa, ela é uma ferramenta a mais, não solução mágica.

O estudo mostra que o milho “fala” com a lagarta por meio de cheiros específicos, e que, ao ouvir essa conversa, a pesquisa brasileira ajuda o campo a produzir mais, com menos veneno e mais inteligência ecológica.

Referência da notícia

Impact of Crotalaria spectabilis and Zea mays volatiles on Spodoptera frugiperda behaviour: implications for sustainable maize pest management using companion plants. 22 de setembro, 2025. de Castro, B.S., Correia, M.V., Michereff, M.F.F. et al.