El Niño x La Niña: como o vaivém do Pacífico mexe com café e cacau

El Niño e La Niña mexem com a produtividade de café e cacau na América Latina. Um estudo em Scientific Reports revela onde e quando os impactos aparecem e traz lições práticas para o manejo no Brasil.

Cacau, chocolate, café
Altitudes elevadas proporcionam temperaturas amenas e boa luminosidade, condições ideais que podem ser alteradas por eventos do Pacífico.

Quando o Pacífico muda de humor, a lavoura percebe antes da cidade. Não é preciso olhar mapas: o céu pesa, o vento muda, a florada atrasa ou adianta, e a conta da safra se reescreve. El Niño e La Niña reorganizam a umidade e a temperatura de modo persistente.

No campo, essa dança vira vigor, pragas, bebida e qualidade do fruto, sobretudo para café e cacau.

Um estudo recente publicado na Scientific Reports analisou quase três décadas de dados ambientais e de “pulso energético” da vegetação para entender como agroflorestas de café (em áreas mais altas) e de cacau (em baixadas) reagem a cada fase do ENSO. O trabalho cruza clima, produtividade das folhas ao sol e à sombra e a oscilação do oceano, oferecendo um mapa prático de riscos e oportunidades.

O que a ciência viu no campo

El Niño tende a secar boa parte do norte da América do Sul e a aumentar o “aperto” de vapor d’água no ar (o chamado VPD). Traduzindo: as plantas perdem água mais rápido e gastam mais energia para manter o frescor. Nesse cenário, áreas de cacau em baixadas exibem queda na “produção de energia” das folhas, um indicador que antecipa estresse e menor vitalidade do dossel e do sub-bosque.

El niño, la niña
Sistemas agroflorestais que misturam cacaueiros e árvores nativas ajudam a regular o microclima e reduzir o estresse durante anos de El Niño.

Na mão contrária, La Niña costuma trazer umidade extra para faixas da Amazônia e do norte andino, o que pode recuperar o sub-bosque do cacau. Já o café de montanha, em várias regiões, pode perder fôlego com excesso de nebulosidade e dias menos propícios à fotossíntese, embora haja bolsões com resposta positiva no Sudeste do Brasil.

Sinais e ajustes rápidos

Que El Niño e La Niña influenciam a chuva você já sabe. A novidade é transformar esse conhecimento em rotina de manejo, olhando para indicadores que cabem no celular e na planilha da fazenda.

  • Observe o VPD (ou “ar secando a planta”): valores mais altos pedem reforço de sombreamento e irrigação de suporte, quando disponível.
  • Reavalie o sombreamento funcional no cacau: copa densa demais em época úmida favorece doenças; ralação fina pode equilibrar luz e ventilação.
  • No café de montanha, alinhe nutrição e desbrota ao calendário de eventos do ENSO para preservar vigor em janelas críticas.
  • Use mapas e linhas salvos offline no maquinário; em tempo instável, evite decisões guiadas só por “sensação” de céu.
  • Faça monitoramento por talhão: a resposta ao clima varia em poucos quilômetros; trate encostas, baixadas e topos como unidades distintas.

Onde apertar os cintos (e onde aliviar)

Para o cacau do sudeste da Bahia e do norte do Espírito Santo, sistemas sombreados do tipo cabruca, anos de El Niño pedem atenção redobrada ao microclima: manter cobertura viva, proteger o sub-bosque e evitar estresse hídrico acumulado.

Se vier La Niña, a umidade extra alivia parte da pressão, mas exige vigilância sanitária e ventilação do dossel para não “fechar” demais a lavoura.

No café, o quadro é mais mosaico. Em faixas de altitude do Sudeste, La Niña pode empurrar períodos mais nublados, reduzindo o ganho de energia diária das plantas; ajuste de poda, adubação e manejo de pragas precisa considerar essa “luz contada”.

Em El Niño, onde a umidade cai, ganham relevância conservação de solo, cobertura morta e manejo de estresse térmico, pequenas decisões que protegem produtividade, bebida e caixa.

Referência da notícia

Gross primary productivity analyses suggest higher ENSO-mediated impacts in lowland cacao areas compared to mountain coffee regions in Latin America. 7 de novembro, 2025. Gonzales, A., et al.