O fenômeno La Niña vai mesmo influenciar o clima no Brasil em novembro?

Apesar de a NOAA indicar o estabelecimento da La Niña, os indicadores oceânicos e atmosféricos ainda mostram neutralidade. Além disso, os modelos indicam que o resfriamento no Oceano Pacífico não será longo o suficiente para caracterizar um evento La Niña.

Apesar do resfriamento do Oceano Pacífico equatorial nas últimas semanas, La Niña não está configurada, e o clima de novembro será modulado por outros fenômenos.
Apesar do resfriamento do Oceano Pacífico equatorial nas últimas semanas, La Niña não está configurada, e o clima de novembro será modulado por outros fenômenos. Créditos: NOAA.

Nos últimos meses, o resfriamento das águas do Pacífico Equatorial reacendeu as discussões sobre uma possível La Niña, especialmente depois que a NOAA (agência meteorológica dos Estados Unidos) indicou que as condições do fenômeno estariam estabelecidas.

No entanto, é importante fazer duas ressalvas fundamentais:

  1. As condições de La Niña não estão configuradas, tanto do ponto de vista oceânico quanto atmosférico
  2. Mesmo que o fenômeno se confirmasse, seus efeitos típicos no Brasil costumam se manifestar a partir do verão, e não em novembro

A seguir, explicamos porque o atual resfriamento do Pacífico ainda não caracteriza uma La Niña, o que dizem as previsões dos modelos climáticos e quais fenômenos devem realmente modular o clima no Brasil em Novembro.

Resfriamento do Oceano Pacífico é sinônimo de La Niña?

Nem todo resfriamento do Oceano Pacífico equatorial equivale a uma La Niña. A caracterização oficial depende de critérios bem definidos, incluindo o comportamento da temperatura da superfície do mar (TSM) na região Niño 3.4 e o acoplamento com a atmosfera tropical, medido pelo Southern Oscillation Index (SOI), um índice que representa a diferença de pressão entre Darwin e o Taiti.

Regiões de monitoramento do Oceano Pacífico, com destaque para a região Niño 3.4. Créditos: NOAA.
Regiões de monitoramento do Oceano Pacífico, com destaque para a região Niño 3.4. Créditos: NOAA.

Segundo a NOAA, um evento La Niña ocorre quando a média de três meses das anomalias de TSM na região Niño 3.4 (Oceanic Niño Index, ONI) atinge −0,5 °C ou menos por cinco trimestres móveis consecutivos. Além disso, é necessário que os sinais atmosféricos (SOI > +0,7) indiquem uma circulação intensificada de alísios.

Atualmente, o ONI para o trimestre Julho-Agosto-Setembro foi −0,3 °C, a anomalia TSM de setembro −0,4 °C, e o SOI de setembro 0, indicando neutralidade.

Condições atuais do índice ONI e SOI indicando condições de neutralidade do Oceano Pacífico.
Condições atuais do índice ONI e SOI indicando condições de neutralidade do Oceano Pacífico. Créditos: Adaptado de CPC/NOAA.

As anomalias de TSM semanais de Outubro na região Niño 3.4 foram:

  • 01/10 → −0,5 °C
  • 08/10 → −0,3 °C
  • 15/10 → −0,6 °C
  • 22/10 → −0,6 °C

Para que Outubro feche com média −0,5 °C, a última semana (29/10) precisaria ser −0,5 °C, o que deve ocorrer. Porém, para que o trimestre Agosto-Setembro-Outubro alcance o limiar de La Niña (−0,5 °C), Outubro precisaria fechar com −0,8 °C, o que exigiria um resfriamento de −2 °C na última semana - basicamente impossível, dada a tendência.

Ou seja, mesmo que Outubro seja o primeiro mês com anomalias dentro do limiar de La Niña, o trimestre Agosto-Setembro-Outubro ainda não se qualificaria como La Niña.

Os modelos estão mesmo prevendo La Niña?

Embora a NOAA continue acreditando na continuidade do resfriamento pelos próximos trimestres, a previsão dos modelos climáticos indica que o resfriamento será próximo da neutralidade e passageiro.

No gráfico de previsão abaixo, os modelos dinâmicos e estatísticos mostram médias (ensemble) em linhas mais espessas, com destaque:

  • Rosa → ‘ensemble’ dos modelos dinâmicos
  • Verde → ‘ensemble’ dos modelos estatísticos

Aqui, acrescentamos uma linha tracejada azul indicando o limiar de La Niña, para evidenciar que a média dos modelos mal alcança este limiar por 3 trimestres.

Previsão de anomalia de TSM na região do Niño 3.4 de acordo com modelos dinâmicos e estatísticos. Créditos: Adaptado de CPC/NOAA.
Previsão de anomalia de TSM na região do Niño 3.4 de acordo com modelos dinâmicos e estatísticos. Créditos: Adaptado de CPC/NOAA.

Além disso, há dois grandes destaques:

  1. O modelo dinâmico ECMWF foi excluído dessa análise entre agosto e setembro
  2. O modelo NASA GEMAO, linha rosa mais negativa, puxa a média dos dinâmicos para o patamar de La Niña, funcionando como um ‘outlier'

Com a remoção da previsão do ECMWF, que ajudava a conter a média do resfriamento, o modelo NASA GEMAO causa um viés da média dos dinâmicos para o patamar de La Niña, o que torna essa previsão um pouco questionável.

Mesmo considerando essa previsão como verdade absoluta (o que não é), o retorno à neutralidade é previsto para Dezembro-Janeiro-Fevereiro. Isso geraria apenas 4 trimestres dentro do limiar, insuficiente para caracterizar oficialmente um episódio de La Niña.

Quais padrões devem modular o clima no Brasil em Novembro?

Além do fato do fenômeno La Niña não estar configurado, estudos mostram que sua resposta no Brasil se dá nos meses de verão (Dezembro-Janeiro-Fevereiro). Então, definitivamente, o fenômeno La Niña não será responsável por modular o clima em Novembro.

Relação entre La Niña, temperatura e precipitação. Créditos: CPC/NOAA.
Relação entre La Niña, temperatura e precipitação. Créditos: Adaptado de CPC/NOAA.

A previsão de anomalia de precipitação do C3S Multi Model, feita pelo ECMWF e que leva em conta 9 modelos, indica que as chuvas serão abaixo da média no Norte e no Sul do país, enquanto devem ser acima da média no Sudeste.

Previsão de anomalia de precipitação em novembro. Créditos: C3S/Copernicus.
Previsão de anomalia de precipitação em novembro. Créditos: C3S/Copernicus.

A diminuição das chuvas no Norte/Nordeste está relacionada com a TSM do Oceano Atlântico norte (muito mais quente que o sul, diminuindo a entrada de umidade no Brasil), somado também à previsão de fase desfavorável da Oscilação Madden-Julian nas próximas semanas.

As chuvas no centro-sul do Brasil na próxima semana (e também as temperaturas abaixo da média) estão relacionadas com a Oscilação Antártica (AAO), que vem saindo de uma fase negativa em direção a neutralidade no meio de novembro; a fase negativa favorece a entrada de sistemas no Sul.

Previsão da AAO nos próximos 15 dias e efeitos da fase positiva no Brasil (esquerda), efeito da MJO nas fases 5 e 6 (direita, em cima) e Dipolo do Oceano Índico (direita, embaixo). Créditos: CPC/NOAA e BoM.
Previsão da AAO nos próximos 15 dias e efeitos da fase positiva no Brasil (esquerda), efeito da MJO nas fases 5 e 6 (direita, em cima) e Dipolo do Oceano Índico (direita, embaixo). Créditos: CPC/NOAA, Reboita et al. (2021), e BoM.

Já o favorecimento das chuvas no Brasil central e principalmente no Sudeste será modulado em parte pelo Dipolo do Oceano Índico negativo, com maior resposta a partir de novembro no Brasil, via trem de onda. Somado a isso, espera-se que a AAO entre numa fase positiva na segunda quinzena do mês, o que desfavorece a chuva no Sul mas aumenta no Sudeste, também via teleconexão.