Calor em ascensão: o futuro da mamona na América do Sul é sustentável? Pesquisa responde
Combinando dados climáticos e projeções para o século XXI, pesquisadores brasileiros mostram que o futuro da mamona na América do Sul depende de adaptação urgente para enfrentar o aumento das temperaturas e a escassez hídrica.

A mamona (Ricinus communis) pode não estar na sua lista de compras, mas seu óleo move tratores, lubrifica motores de aviões e até vira biodiesel. Por trás desse potencial, porém, há uma história de clima, ciência e muita adaptação. Um estudo recém‑publicado na revista Theoretical and Applied Climatology analisou como a mudança do clima poderá alterar as áreas aptas ao cultivo da mamona no continente sul‑americano ao longo deste século.
Conduzido por pesquisadores do Instituto Federal de Mato Grosso do Sul (IFMS), do IFSULDEMINAS‑Muzambinho e da UNESP‑Jaboticabal, o trabalho combinou dados históricos de temperatura e chuva com projeções de modelos climáticos de última geração. O resultado é um mapa que mostra onde a planta tende a prosperar ou sofrer conforme o aquecimento global avança, informação valiosa para agricultores, indústrias de biocombustível e formuladores de políticas públicas.
O retrato atual e as primeiras pistas
Hoje, Brasil, Paraguai e Argentina abrigam vastas extensões classificadas como “excelentes” ou “muito adequadas” para a mamona, graças ao equilíbrio entre calor moderado e chuvas regulares. A pesquisa confirma que essas faixas respondem pelos maiores rendimentos, com produtividade atingindo picos sempre que a temperatura média fica entre 24 °C e 27 °C e o total anual de chuva supera 750 mm.

Mas o retrato é desigual. No Peru e em partes da Bolívia, por exemplo, grandes blocos aparecem como “inaptos” devido ao frio nas montanhas ou à falta de água nas zonas áridas. Mesmo dentro de um único país, poucos quilômetros separam condições ideais de regiões onde a cultura praticamente não se sustenta. Esse mosaico já exige decisões precisas sobre onde investir em sementes, irrigação ou simplesmente mudar de cultura.
Cenários para 2100: quem ganha, quem perde
Quando os pesquisadores projetam o futuro usando quatro trajetórias de emissão de gases de efeito estufa (SSP1‑2.6 a SSP5‑8.5), o desenho muda rápido. Nos cenários mais otimistas, áreas hoje “excelentes” encolhem pouco; nos mais pessimistas, podem reduzir‑se a um terço até o fim do século.
Isso significa que, sem adaptação, a produtividade cai justamente nas regiões que hoje sustentam a cadeia do biodiesel. Em contrapartida, partes do sul da Argentina, hoje limitadas pelo frio, podem ganhar algumas janelas de oportunidade, desde que a falta de chuva não se agrave. Ou seja, o mapa da mamona tende a migrar para latitudes mais altas e altitudes maiores, num ajuste que lembrará a mudança de vinhedos pelo mundo.
Por que esse estudo interessa ao público e ao campo
A mamona vai muito além da agricultura: ela conecta temas ambientais, sociais e econômicos. Por isso, os resultados deste estudo não impactam apenas os agricultores, mas também diversos setores da sociedade. Veja por que essa cultura é tão estratégica:
- Energia limpa: o óleo de mamona é matéria‑prima para biocombustíveis que reduzem a dependência de diesel fóssil.
- Economia rural: centenas de pequenos produtores nordestinos dependem da cultura para complementar a renda.
- Indústria química: cosméticos, tintas e lubrificantes estão de olho no mercado de óleos vegetais especiais.
- Segurança alimentar: mudanças na mamona podem deslocar outras culturas, alterando o uso da terra.
Com esse conjunto de fatores, entender onde a cultura será viável ajuda governos a planejar infraestrutura, cooperativas a orientar agricultores e empresas a decidir onde montar plantas de esmagamento e refino.
Caminhos de adaptação e relevância dos resultados
A boa notícia é que o estudo não soa apenas o alarme, ele indica soluções. Novas cultivares tolerantes a calor, sistemas de irrigação mais eficientes e consórcios com árvores para sombrear plantios podem manter a mamona produtiva mesmo em cenários quentes. Além disso, usar previsões sazonais para definir datas de semeadura e investir em seguro agrícola podem reduzir riscos financeiros.
No fim das contas, a pesquisa mostra que a mamona tem futuro, mas não sem planejamento. Instituições públicas e privadas precisam correr para ajustar políticas de crédito, assistência técnica e pesquisa genética. Se isso ocorrer, o Brasil e seus vizinhos poderão continuar transformando esse “ouro verde” em combustível, renda e inovação, mesmo sob um clima em mutação.
Referência da notícia
Climate challenges in castor bean production: agroclimatic zoning and future prospects for sustainable biofuel. 2 de julho, 2025. Torsoni, GB. et. al.