Café ameaça florestas, e a falta de florestas ameaça o café
Relatório inédito mostra que o avanço do café derrubou floresta do tamanho de Honduras nas regiões produtoras do Brasil, reduzindo a chuva e encarecendo a produção. Sem árvores, a cafeicultura fica mais vulnerável a secas e calor.

Relatório inédito do Coffee Watch escancara um paradoxo no coração do agro: enquanto a área de café avança, as florestas das regiões cafeeiras encolhem, e com elas vai embora parte da chuva que sustenta a própria lavoura. Nas zonas produtoras do Brasil, mais de 42 mil milhas quadradas (≈10,9 milhões ha) de cobertura florestal desapareceram em duas décadas; mais de 1.200 milhas quadradas foram diretamente derrubadas para abrir cafezais (2001–2023).

O mapeamento detalhado mostra ainda 737 mil hectares de perda florestal dentro de fazendas de café, com 77% no Cerrado e 20% na Mata Atlântica, biomas que já vivem ciclos de seca mais longos. O próprio relatório conecta desmate a déficits de chuva e umidade do solo, agravando a vulnerabilidade do café a ondas de calor e veranicos.
O ciclo vicioso: menos floresta, menos chuva
Florestas atuam como “bombas de umidade”: suas copas transpiram água e resfriam o ar, alimentando nuvens e a reciclagem de precipitação. Quando a cobertura se perde, cai a evapotranspiração e os ventos locais mudam, a chuva rareia, sobretudo na estação seca.
Em 2025, uma análise em Nature reforçou o elo entre desmatamento tropical e queda de precipitação, destacando o papel de mudanças de circulação de mesoescala e da reciclagem de umidade em múltiplas escalas. Para o café, isso significa estresse hídrico mais frequente, floração irregular e necessidade crescente de irrigação, um custo que se soma ao risco climático.
Como o clima “cobra” do café
Nos últimos anos, produtores relataram solos mais secos e maior dependência de irrigação, especialmente onde o desmate avançou. Em Minas Gerais, dados citados no relatório apontam queda de ~25% na umidade do solo (NASA, 6 anos) e oito de dez anos com déficit de chuva. O impacto é econômico e imediato.
- Mais custo fixo: instalação e energia para irrigação em áreas antes “pagas pela chuva”;
- Qualidade pressionada: grãos menores e bebida mais amarga sob estresse hídrico;
- Risco produtivo: floradas falhas e quebra irregular de safra;
- Seguro e crédito: prêmios maiores e exigência de comprovar mitigação de risco;
- Mercados exigentes: cadeias “livres de desmatamento” ganham peso em UE/EUA, rastreabilidade vira diferencial de preço.
Brasil, 2025: saídas práticas para virar o jogo
O caminho passa por produzir com sombra e conservar água. Evidências de campo mostram que sistemas agroflorestais (café sob árvores) amortecem extremos de calor, elevam a umidade do solo e reduzem perdas por veranicos; meta-analises indicam coberturas de sombra em torno de 30–40% como ponto de equilíbrio entre produtividade e microclima.
Outra frente é expandir produção sem derrubar vegetação nativa: o Brasil dispõe de milhões de hectares de pastagens degradadas aptas para conversão com boas práticas, inclusive para robusta (conilon), mais tolerante a calor e já fortemente irrigado.
A mensagem para 2025 é clara: restaurar matas ciliares, recuperar Áreas de Preservação Permanentes (APPs) e adotar café sombreado reduz a dependência de irrigação cara, estabiliza a produtividade e preserva acesso a mercados que pagam por sustentabilidade.
Referências da notícia
Impact of Amazonian deforestation on precipitation reverses between seasons. 5 de março, 2025. Quin, Y., et al.
Recent Forest Loss in the Brazilian Amazon Causes Substantial Reductions in Dry Season Precipitation. 25 de abril, 2025. Liu, Y., et al.
Brazil coffee mapping shows coffee deforestation the size of Honduras; New report warns of rainfall loss and market risks. 22 de outubro, 2025. Coffee watch.