Um ano após enchentes históricas, Rio Grande do Sul segue como 'extremo úmido' mesmo enfrentando uma estiagem

Há um ano começava o episódio de chuva extrema que deixou o Rio Grande do Sul submerso e marcou o maior desastre climático da história do Brasil.

Evento extremo sem precedentes afetou milhões de pessoas no Rio Grande do Sul, causando, além dos prejuízos econômicos, danos irreparáveis como perda de vidas humanas e animais.
Evento extremo sem precedentes afetou milhões de pessoas no Rio Grande do Sul, causando, além dos prejuízos econômicos, danos irreparáveis como perda de vidas humanas e animais. Créditos: reprodução/internet.

Em maio de 2024, o Rio Grande do Sul vivenciou o maior desastre climático da história do Brasil. Um episódio de chuvas extremas e persistentes, iniciado no final de abril, provocou enchentes devastadoras que afetaram mais de 90% do território, deixando mais de 180 mortos, milhares de desabrigados e causando danos imensos na infraestrutura.

Embora o estado venha registrando uma precipitação irregular e predominantemente abaixo da média desde então, as anomalias de precipitação ainda o classificam como uma área de "extremo úmido" em indicadores climáticos, refletindo a magnitude do evento histórico.

Relembre o caso

O evento de abril-maio de 2024 foi o mais severo da história do estado, superando até mesmo a cheia de 1941. Chuvas acumuladas entre 26 de abril e 5 de maio elevaram o nível do Rio Guaíba a 5,35 metros, quase 60 cm a mais que o recorde anterior. A capital gaúcha foi invadida pelas águas, e a Região Metropolitana de Porto Alegre foi uma das áreas mais impactadas, devido à alta densidade demográfica.

O Rio Guaíba alcançou sua maior cota histórica, invadiu e inundou Porto Alegre, capital gaúcha. Créditos: reprodução/internet.
O Rio Guaíba alcançou sua maior cota histórica, invadiu e inundou Porto Alegre, capital gaúcha. Créditos: reprodução/internet.

Em regiões como Segredo e Fontoura Xavier, no centro-norte do estado, as chuvas ultrapassaram ou se aproximaram dos 800 mm em apenas 10 dias — cerca de 280% do esperado para o bimestre abril-maio.

A zona sul do estado sofreu enchentes, mesmo longe do epicentro das chuvas, devido ao escoamento da Laguna dos Patos. Na foto, a cidade de Rio Grande. Créditos: reprodução/internet.
Em Pelotas, no sul do estado, o Canal São Gonçalo também atingiu seu recorde histórico e a cidade ficou alagada. Créditos: reprodução/internet.

O escoamento do grande volume de água na Laguna dos Patos afetou áreas distantes como São Lourenço, Pelotas e Rio Grande, no sul do Rio Grande do Sul. Segundo a Defesa Civil, o desastre deixou 478 municípios impactados (96% do estado), 806 feridos, 183 mortos e 2.398.255 pessoas afetadas.

O que causou esse evento extremo?

O episódio de chuvas extremas que atingiu o Rio Grande do Sul entre 26 de abril e 5 de maio de 2024 foi resultado de uma combinação rara de fatores em diferentes escalas atmosféricas, como bem explorado pela pesquisa de Reboita et al. (2024).

Em escala global, uma teleconexão originada no Oceano Índico desencadeou um trem de ondas que favoreceu a formação de bloqueio atmosférico sobre o centro-sudeste do Brasil.

Esse trem de ondas foi desencadeado devido às temperaturas da superfície do mar (TSM) muito acima da média observadas no Oceano Índico, sendo a forma da atmosfera redistribuir a energia no globo.

Resumo dos diferentes fatores que causaram o evento extremo em diferentes escalas atmosféricas. Créditos: Reboita et al. (2024).
Resumo dos diferentes fatores que causaram o evento extremo em diferentes escalas atmosféricas. Créditos: Reboita et al. (2024).

Em escala sinótica, essa configuração reforçou o transporte de calor e umidade do norte do continente em direção ao Sul do Brasil. O Oceano Atlântico Tropical apresentava TSM muito acima da média, aumentando a evaporação e a umidade na atmosfera, enquanto o Brasil central enfrentava uma onda de calor.

O calor e umidade extra transportados em direção ao Sul, favoreceram a formação de Sistemas Convectivos de Mesoesala (SCMs) e a intensificação de outros sistemas que atuaram no Rio Grande do Sul, que ficaram aprisionados sobre a região devido ao bloqueio.

Extremo de chuva ainda reflete no Índice de Precipitação Padronizada (SPI)

Os mapas de anomalia de precipitação entre março de 2024 e março de 2025 destacam o impacto do evento extremo de maio de 2024, com anomalias superiores a 400 mm acima da média. No entanto, nos últimos 9 meses a precipitação no Rio Grande do Sul tem sido irregular, com valores predominantemente abaixo da média.

Anomalias mensais de precipitação desde março/2024 até março de 2025, destacando maio/2024 com o quadro vermelho. Créditos: adaptado do INMET.
Anomalias mensais de precipitação desde março/2024 até março/2025, destacando maio/2024 com o quadro vermelho. Créditos: adaptado do INMET.

O Índice de Precipitação Padronizada (SPI) mede o quanto a precipitação de um período se desvia da média histórica, em termos de desvios padrão. Isso significa que ele mostra quantas vezes a chuva registrada está acima ou abaixo da média. Se o SPI for positivo, significa que houve mais chuva do que o esperado; se for negativo, significa que faltou chuva.

SPI acumulado para 1 mês, 3 meses, 6 meses e 12 meses, onde o retângulo vermelho destaca o extremo úmido no estado gaúcho. Créditos: adaptado do INMET.
SPI acumulado para 1 mês, 3 meses, 6 meses e 12 meses, onde o retângulo vermelho destaca o extremo úmido no estado gaúcho. Créditos: adaptado do INMET.

Apesar da estiagem que predominou no segundo semestre de 2024 e início de 2025, o SPI de 12 meses ainda classifica o estado como "extremo úmido". Isso ocorre porque a enorme quantidade de chuva concentrada em maio de 2024 ainda influencia o balanço hídrico anual.

Enquanto os mapas de SPI de 1, 3 e 6 meses apontam para condições de seca em grande parte do estado, o SPI de 12 meses evidencia o resquício do maior desastre climático da história do Brasil.

Essa tragédia climática não apenas revelou a potência das mudanças climáticas em um planeta aquecido, mas também expôs o alarmante despreparo do Brasil em lidar com desastres dessa magnitude.

Algumas perdas são irreparáveis, e, como sempre, os grupos mais vulneráveis são os mais afetados, intensificando as desigualdades sociais e econômicas do país. Frear o aquecimento global e adatpar as cidades às mudanças climáticas é urgente.

Referência da notícia

A Multi-Scale Analysis of the Extreme Precipitation in Southern Brazil in April/May 2024. 16 de setembro, 2024. Reboita, et al.