O canto que mudou: como a radiação afetou os sapos em Fukushima

Em zonas úmidas, uma equipe de pesquisadores está rastreando sapos em Fukushima para entender os efeitos da radiação em sua genética e capacidade reprodutiva.

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Quatorze anos após o desastre nuclear, o estudo busca responder como a vida selvagem sobrevive e se reproduz em áreas marcadas pela radiação.

Nos arrozais inundados de Fukushima, as noites soam como antes de 2011: um coro de sapos machos competindo pela atenção das fêmeas. Mas, para a ciência, esse canto pode esconder sinais de uma mudança profunda.

Desde o acidente nuclear, alguns sapos passaram a vida inteira expostos à radiação. Uma equipe franco-japonesa busca descobrir se isso afetou sua capacidade de reprodução.

O estudo, apresentado em 11 de julho na Society for Experimental Biology Annual Conference, na Bélgica, combina observação de campo e análise genética para entender como os sapos vivem — e se reproduzem — em um ambiente contaminado.

A radiação altera o “romance” dos anfíbios

O grupo se baseia em experiências anteriores em outros locais marcados por acidentes nucleares. Em Chernobyl, por exemplo, mutações elevadas e baixa diversidade genética têm sido documentadas há anos em sapos que vivem nas áreas mais contaminadas.

“Queremos saber se os sapos de Fukushima estão seguindo um caminho semelhante e o que isso significa para o seu futuro”, diz Léa Dasque, do laboratório LECO (ASNR, França).

Esta comparação não é coincidência. Medições iniciais em Fukushima mostram mudanças físicas e reprodutivas em sapos machos que vivem em áreas com níveis de radiação mais elevados. Elas mostram um peso maior das gônadas em relação ao tamanho do corpo e, em alguns casos, uma produção mais abundante de espermatozoides.

No entanto, o grupo de pesquisa alerta que maior quantidade nem sempre significa melhor qualidade, e eles estão estudando se a motilidade desses espermatozoides pode ser comprometida.

Das áreas úmidas ao microscópio

O trabalho começa à noite, utilizando lanternas, gravadores e redes para capturar machos em plena época de acasalamento. Seus coaxos são gravados, medidas físicas são realizadas e amostras de esperma são coletadas para análise posterior.

No laboratório, o grupo de pesquisa monitora a contagem e a motilidade dos espermatozoides, bem como a atividade de milhares de genes.

Esse tipo de análise — chamado de transcriptômica na ciência — nos permite ver quais genes estão “ligados” ou “desligados” e se essa atividade muda com a dose de radiação.

Conforme explicado no resumo do estudo, cerca de 10% dos genes estudados apresentam variações claras, muitas delas ligadas ao movimento dos espermatozoides.

"Nosso objetivo é identificar quais processos biológicos são mais sensíveis à radiação e como eles se manifestam na fisiologia e no comportamento dos animais", explica Daque em nota publicada no site Phys.org.

Outras espécies sob a lupa

Embora os sapos sejam o foco principal, a equipe também está trabalhando com peixes-zebra (Danio rerio) e polinizadores selvagens que vivem em Fukushima. Em peixes, eles descobriram que a exposição prolongada à radiação pode prejudicar o desenvolvimento muscular e reduzir comportamentos sociais.

Em insetos polinizadores, testes iniciais mostram que a radiação pode prejudicar sua capacidade de navegar e lembrar rotas até as flores, essencial para a polinização e, em última análise, para os ecossistemas agrícolas.

Essas descobertas, alerta a equipe de pesquisa, sugerem que os efeitos da radiação não se limitam à sobrevivência imediata; eles também podem alterar processos-chave para a persistência das populações a longo prazo.

Em Fukushima, o coaxar noturno coexiste com uma radiação invisível, mas que pode estar reescrevendo o futuro da espécie. O desafio é detectá-la antes que a história se perca.

Referências da notícia

Conferencia Anual de la Sociedad para Biología Experimental en Amberes. (2025). Impacts of Ionizationradiation on reproductive processesin Fukushima tree frogs: Transcriptomic and functional insights. Publicado no website da Conferência.

Society for Experimental Biology. (2025). Exploring animal life in the radioactive shadows of Chornobyl and Fukushima. PHY.ORG.