Mais de 10 mil registros de antigas comunidades indígenas estão escondidos sob a Amazônia

Pesquisadores identificaram mais de 20 sítios arqueológicos até então não identificados do período pré-colombiano na Amazônia, e preveem que mais de 10.000 ainda estão à espera de serem descobertos.

geoglifos no Acre
Geoglifos, como estes no município de Senador Guiomard, no Acre, estão presentes em uma faixa de 1.800 quilômetros no sul da Amazônia. Crédito: Maurício de Paiva.

Um estudo publicado na última sexta-feira (6) na revista Science, liderado por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), usou tecnologia de ponta em monitoramento remoto com dados arqueológicos e modelagem estatística para encontrar evidências de sociedades indígenas antigas na Amazônia.

Eles identificaram mais de 20 obras não identificadas anteriormente, e preveem que mais de 10.000 ainda estão à espera de serem descobertas.

Os registros pré-colombianos na Amazônia

Sociedades indígenas habitam a bacia Amazônica há pelo menos 12 mil anos. Mas encontrar evidências de sociedades antigas, no entanto, tem sido muito difícil devido à alta densidade da floresta.

geoglifos na Amazônia
Povos indígenas pré-colombianos criaram geoglifos na Amazônia, hoje em dia visíveis pelo desmatamento. Crédito: Jennifer Watling.

Porém, esse estudo conseguiu descobrir registros de 24 obras pré-colombianas construídas antes da chegada dos europeus, que até então não haviam sido detectadas. Essas obras são conhecidas como “obras de terra”, e foram encontradas abaixo do dossel da floresta. Essa descoberta se deu através de uma tecnologia avançada de mapeamento remoto: um laser conhecido como LiDAR ("Light Detection and Ranging") a bordo de um avião. O seu sensor permitiu reconstruir os elementos da superfície em um modelo 3D com alto nível de detalhamento.

Os sítios arqueológicos na Amazônia são chamados de “obras de terra”, um termo que engloba os mais variados tipos de estruturas, como geoglifos, assentamentos fortificados, montanhas coroadas, monumentos megalíticos, poços e lagoas.

A partir dos modelos 3D, foi removida digitalmente toda a vegetação, sendo possível realizar a pesquisa arqueológica do terreno sob a floresta. “Investigamos um total de 0,08% da Amazônia e encontramos 24 estruturas jamais catalogadas no Amazonas e também nos Estados do Mato Grosso, Acre, Amapá e Pará”, explicou Vinicius Peripato, autor principal do estudo.

Além disso, a pesquisa usou modelagem estatística avançada para estimar a quantidade de “obras de terra” que ainda podem estar escondidas debaixo da copa da floresta e quais os locais que podem estar. Os autores preveem que entre 10.272 e 23.648 obras antigas ainda estão à espera de serem descobertas, e a maioria será encontrada no sudoeste da floresta. E dezenas de espécies de árvores que estão relacionadas a essas obras remontam a um período entre 1.500 a 500 anos atrás.

A floresta Amazônica não é tão intocável assim…

As obras de terra, até agora, eram comumente encontradas por meio de imagens do Google Earth, devido à grande extensão da floresta amazônica e às dificuldades de analisar áreas remotas. Então, essa nova pesquisa traz uma luz sobre locais pouco conhecidos da Amazônia, onde trabalhos de campo provavelmente descobrirão sítios arqueológicos bem preservados dentro da floresta.

“O estudo indica que a floresta amazônica pode não ser tão intocada quanto muitos pensam, já que quando buscamos uma melhor compreensão da extensão da ocupação humana pré-colombiana na região nos surpreendemos com a grande quantidade de sítios ainda desconhecidos pela ciência”, afirmou Peripato.

Cerâmicas de mais de mil anos no sítio Hatahara, próximo ao rio Solimões. Crédito: Val Moraes/Central Amazon Project.

"Tempos atrás, os ecólogos viam a Amazônia como a grande floresta intocada, mas agora, combinando outros tipos de vestígios pré-colombianos, podemos perceber como muitos locais que hoje sustentam uma densa floresta já foram submetidos a extensas obras de engenharia e ao cultivo e domesticação de plantas pelas sociedades pré-colombianas (...)”, disse Carolina Levis, pesquisadora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e coautora do estudo.

O chefe da Divisão de Observação da Terra e Geoinformática do INPE, Luiz Aragão, também destacou a importância desses resultados: “A pesquisa traz inúmeras evidências da ocupação ancestral da floresta amazônica por povos originários, de suas formas de vida e da relação estabelecida por eles com a floresta. A proteção de seus territórios, línguas, culturas e heranças deve ser compreendida como milenar, como são, e não ligada a uma data, que é tão recente”.

Segundo o artigo, “estes legados arqueológicos podem desempenhar um papel nos debates atuais em torno dos direitos territoriais indígenas. Eles servem como prova tangível da ocupação, do modo de vida e da relação de um ancestral com a floresta”. Atualmente, os povos indígenas lutam para reconhecer o seu direito às terras originalmente habitadas pelos seus antepassados, e ter a proteção dos seus territórios, línguas, culturas e heranças.