Existe algum sabor que ainda não descobrimos? Cientistas acreditam ter encontrado um sexto sabor além do umami

Um século depois de o umami ter sido reconhecido como o quinto sabor, a ciência debate se chegou a hora de adicionar um sexto. Gordura, amido, kokumi ou alcaçuz salgado: o que dizem as evidências e por que é tão difícil chegar a um consenso?

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O candidato mais forte para ser um novo sabor é, até agora, a gordura.

Em 1908, o químico japonês Kikunae Ikeda descobriu no kombu — uma alga marinha tradicionalmente usada na culinária japonesa — uma substância que mudaria a ciência dos alimentos: o ácido glutâmico. Esse composto era responsável por um sabor distinto, saboroso e que lembrava carne, diferente de tudo o que se conhecia até então. Ikeda o chamou de umami.

Embora a humanidade consumisse alimentos ricos nesse perfil de sabor há séculos — queijos curados, cogumelos, missô, produtos fermentados —, a comunidade científica levou quase um século para aceitar o umami como o quinto sabor básico. Foi somente na década de 1990, após extensos estudos psicofísicos, eletrofisiológicos e bioquímicos, que ele obteve reconhecimento global.

Hoje surge uma nova questão: será que chegou a hora de adicionar um sexto sabor à lista? Alguns pesquisadores acreditam que sim e propuseram candidatos tão diversos quanto o sabor gorduroso, o amiláceo, o kokumi, ou até mesmo o sabor peculiar do alcaçuz salgado.

O que realmente define um sabor?

Antes de analisar os candidatos, é importante distinguir entre sabor e paladar. "O paladar começa na língua, quando as moléculas dos alimentos se misturam com a saliva e ativam as papilas gustativas, enviando sinais ao cérebro", explica a nutricionista Marisa Moore. O sabor, por outro lado, é a experiência completa: gosto, textura, temperatura e aroma, integrados no cérebro.

Contrariamente à antiga crença no "mapa da língua", não existem áreas exclusivas para cada sabor. As papilas gustativas podem detectar doce, salgado, azedo, amargo e umami em diferentes regiões, embora algumas células sejam mais sensíveis do que outras.

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A comunidade científica levou quase um século para aceitar o umami como o quinto sabor básico.

A aceitação oficial de um novo sabor é complexa. Não existe uma lista rígida de critérios, mas os cientistas geralmente concordam em vários pontos:

  • Deve haver um estímulo químico distinto e identificável.
  • Deve haver receptores específicos na língua, no palato ou na garganta.
  • Esses receptores devem transformar o estímulo químico em sinais elétricos que viajam até o cérebro.
  • O sinal deve gerar uma percepção única, sem ser confundido com outros sabores.
  • E também deve provocar uma resposta fisiológica, como a doçura que desencadeia a liberação de insulina.

É preciso testar tudo isso com qualquer novo sabor”, resume a nutricionista Dawn Jackson Blatner. E não é fácil.

Os candidatos: entre o improvável e o possível

A seguir, detalhamos os sabores que estão atualmente sob o olhar atento dos cientistas.

Kokumi: mais sensação do que sabor

Descoberto na década de 1980 por cientistas japoneses, o kokumi aparece em alimentos fermentados, envelhecidos ou cozidos lentamente, como ensopados e caldos.

Está ligado a um aminoácido que interage com receptores de cálcio na língua, levando alguns a sugerir que possa ser um sabor.

Mas sua função principal é amplificar outros sabores, não contribuir com um sabor próprio. "Não está claro se é um sabor ou se está mais relacionado à textura ou à impressão sensorial", alerta Juyun Lim, pesquisadora do Centro Monell de Sensações Químicas. Por enquanto, está longe de ser aceito.

Alcaçuz salgado: um caso curioso

Em 2023, um estudo liderado pela neurocientista Emily Liman descobriu que as células gustativas respondem ao cloreto de amônio — um componente clássico do alcaçuz salgado escandinavo — através do mesmo receptor que ativa o sabor azedo. A notícia gerou manchetes sobre um possível “sexto sabor”.

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O paladar define o que queremos comer, como cozinhamos e o quanto uma refeição nos satisfaz.

Mas a própria Liman moderou o entusiasmo: seu objetivo não era identificar um novo sabor, e o fato de ele compartilhar um receptor com a acidez torna difícil considerá-lo uma categoria independente. "Nosso trabalho levanta a questão de se os sabores amoniacal ou azedo são sabores fundamentais distintos", observou ela.

Engordurado: o candidato do meio-termo

Um estudo publicado na revista Chemical Senses em 2016 sugeriu que o sabor do amido pode ser um gosto básico. Os humanos detectam o gosto do amido mesmo sem pistas de textura, e a saliva contém enzimas capazes de quebrá-lo.

Todas as culturas consomem carboidratos em quase todas as refeições; faz sentido que possamos senti-los”, diz Lim, coautor do estudo. No entanto, identificar receptores específicos na boca ainda é um passo fundamental para compreendê-los.

Oleogustus: o favorito da ciência

O candidato mais forte até agora é a gordura. Em 2015, uma equipe da Universidade Purdue propôs oficialmente o nome oleogustus para o sabor associado aos ácidos graxos livres. Mas não se assemelha ao sabor amanteigado atraente que muitos imaginam: "Tem gosto de óleo rançoso — mais próximo do amargo do que do salgado ou doce", explica Richard Mattes, um dos autores.

Este potencial sexto sabor já atende a vários critérios:

  • Estimula receptores específicos na língua.
  • Produz uma percepção sensorial diferente das demais.
  • Ativa receptores relacionados a ácidos graxos de cadeia média e longa.
  • E desencadeia respostas fisiológicas, como o aumento dos triglicerídeos no sangue.

Mesmo assim, as evidências por si só não bastam. "Quanto mais uma descoberta desafia ideias estabelecidas, mais resistência ela enfrenta", admite Mattes. A aceitação científica pode levar anos.

Por que identificar novos sabores é tão importante?

O interesse por um sexto sabor não é mera curiosidade acadêmica. O paladar define o que queremos comer, como cozinhamos e o quão satisfatória é uma refeição. Ele também influencia os hábitos alimentares e a saúde: pessoas menos sensíveis ao sabor da gordura, por exemplo, tendem a ter maior risco de sobrepeso.

Por sua vez, os sabores desempenham funções evolutivas. O amargor alerta para possíveis toxinas; o doce sinaliza energia rápida; a rancidez — como o oleogustus — nos avisa sobre alimentos estragados.

Uma melhor compreensão de como o paladar funciona pode ajudar no desenvolvimento de alimentos mais saudáveis e no tratamento de distúrbios da percepção gustativa.

Será que a confirmação de um sexto sabor chegará em breve? A resposta, como costuma acontecer na ciência, levará tempo. Talvez não tenhamos que esperar mais um século, mas ainda estamos longe de um consenso.