Chips que pensam: a revolução dos decodificadores neuromórficos nas interfaces cérebro–máquina
Com um chip neuromórfico de 128 mil memristores, cientistas chineses transformaram sinais cerebrais em comandos de voo para um drone, mostrando que interfaces cérebro–computador podem ser mais leves, rápidas, portáteis, seguras e verdadeiramente eficientes do que nunca.

Quando falamos em controlar um drone ou uma prótese apenas com o pensamento, a imagem parece saída de um roteiro de ficção científica. Mas essa cena deu um passo importante rumo à vida real graças a um estudo publicado na Nature Electronics.
Liderado por pesquisadores da Tsinghua University, da Universidade de Hong Kong e da Tianjin University, o trabalho apresenta um decodificador neuromórfico baseado em 128 000 memristores, pequenos dispositivos eletrônicos capazes de “lembrar” o quanto de corrente já passou por eles.
O avanço é relevante não apenas para quem sonha com exoesqueletos ou cadeiras de rodas controladas pela mente. Interfaces cérebro–computador (ou BCIs, na sigla em inglês) são promissoras para restaurar movimentos em pessoas com paralisia, ajudar pacientes que perderam a fala ou, simplesmente, criar novas formas de interação homem–máquina que dispensem teclados e telas.
A grande barreira sempre foi construir hardware rápido, portátil e que se adapte às mudanças naturais da atividade cerebral. É aí que a eletrônica neuromórfica, inspirada no próprio cérebro, entra em cena.
Do laboratório ao voo livre
No experimento chave, voluntários usaram um capacete de EEG (eletroencefalografia) para pilotar um drone com quatro graus de liberdade. O memristor-chip recebia os sinais elétricos captados no couro cabeludo, decodificava a intenção de movimento em um único “passo” de computação analógica e enviava os comandos de voo quase instantaneamente.
O desempenho foi comparável a algoritmos tradicionais que rodam em computadores comuns, mas com uma drástica economia de energia, requisito vital para qualquer dispositivo vestível.

Essa demonstração prática reforça a tese de que a combinação de sensores não invasivos com hardware neuromórfico pode dispensar grandes mochilas de baterias ou conexões cabeadas. Em outras palavras, aproxima-se o dia em que um sistema BCI poderá caber em um boné ou em fones de ouvido, abrindo caminho para aplicações em reabilitação doméstica, jogos imersivos e até trabalho em ambientes perigosos, nos quais mãos ocupadas ou luvas grossas dificultam o uso de controles tradicionais.
Por dentro do chip memristor
O sucesso do protótipo se apoia em quatro pilares tecnológicos principais:
- Computação analógica de “um passo” elimina a troca constante de dados entre processador e memória.
- Baixo consumo energético permite horas de uso contínuo em baterias pequenas.
- Arquitetura compacta (128 k células) cabe em circuitos flexíveis ou implantáveis.
- Treinamento adaptativo: o chip ajusta seus “pesos” conforme o cérebro muda ao longo do dia, evitando recalibrações demoradas.
Esses pontos convergem para um objetivo central: tornar as BCIs mais parecidas com um smartphone do que com um aparelho hospitalar. Em vez de salas cheias de fios e computadores, vislumbra-se um ecossistema de “wearables” inteligentes, atualizáveis por software e acessíveis fora de grandes centros médicos.
Ainda que existam desafios de variabilidade entre dispositivos, cada memristor reage de forma ligeiramente diferente à corrente aplicada, a equipe desenvolveu algoritmos de compensação que mantêm a precisão de decodificação equivalente à de modelos digitais.
Impacto e caminhos futuros
Na prática, o estudo coloca a China entre os líderes da corrida global por BCIs energeticamente eficientes, ombro a ombro com laboratórios dos EUA e da Europa. Se confirmada em ensaios clínicos maiores, a tecnologia poderá baratear próteses motoras de alto desempenho e oferecer novos recursos a pacientes que dependem de cadeiras de rodas ou comunicadores oculares lentos.
Entretanto, questões continuam em aberto. Como garantir que o chip mantenha estabilidade ao longo de anos de uso? Será possível integrar sinais invasivos (eletródios diretamente no córtex) e, assim, ampliar a resolução dos movimentos controlados? E, por fim, como regulamentar dispositivos capazes de aprender com o cérebro e, potencialmente, armazenar dados sensíveis? A resposta a essas perguntas definirá se os “chips que pensam” serão lembrados como uma curiosidade de laboratório.
Referências da notícia
China pours money into brain chips that give paralysed people more control. 4 de julho, 2025. Mallapaty, M.
A memristor-based adaptive neuromorphic decoder for brain–computer interfaces. 17 de fevereiro, 2025. Liu, Z., Mei, J., Tang, J. et al.