Seca no Norte do Brasil: com 637 mil pessoas afetadas no Amazonas, estado deixou de arrecadar R$ 1 bilhão

A pouco menos de quatro meses do registro da maior seca histórica no Amazonas, milhares de pessoas continuam afetadas e prejuízos são bilionários. A previsão é de chuva irregular e baixa recuperação dos rios.

seca na amazonia
Yrá Tikuna, professora indígena, atravessa ponte improvisada sobre rio seco para chegar à comunidade Inhãa-Bé (AM). Foto: Paulo Desana/Dabukuri/ISA

Há pouco menos de quatro meses, o Amazonas registrava a maior seca de todos os tempos, algo que gerou danos e prejuízos para a população e para o meio ambiente. Foi a pior estiagem da história, a qual gerou uma diminuição severa no nível dos rios e provocou a morte de muitos animais marinhos. Mesmo com o passar dos meses e o registro de algumas pancadas de chuva, cerca de 637 mil pessoas continuam afetadas pela estiagem segundo informações da Defesa Civil do estado.

62 municípios do Amazonas continuam em situação de emergência devido à pior seca registrada na história em 2023. Desde que o estado começou a enfrentar a falta de chuva, não houve recuperação significativa no nível dos rios, mesmo com o retorno das chuvas nas últimas semanas. Alguns pontos no estado até registraram alto volume, mas o problema é que a chuva não tem ocorrido de maneira bem distribuída e regular.

As consequências da seca são devastadoras por conta da contribuição para os incêndios florestais, que além de destruir as florestas, também liberam grandes quantidades de óxidos de carbono na atmosfera – André Di Francesco, advogado e mestre em economia

Ainda segundo Francesco, a seca gera impactos sociais e econômicos profundos no Amazonas, isso porque milhões de pessoas vivem diretamente na Amazônia e dependem da floresta para sua subsistência, ou seja, os recursos como água e alimento.

No final de janeiro foi divulgado o 3º boletim de alerta hidrológico da bacia do Amazonas, feito pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB). Em Manaus, o nível atual do rio Negro é de 20,65 metros, em Rio Branco, o nível atual do Rio Acre é de 6,8 metros, e em Porto Velho, o nível atual do rio Madeira é de 7,37 metros.

Como a seca afetou a arrecadação bilionária no Amazonas

Segundo o governador Wilson Lima (União Brasil), a arrecadação no estado do Amazonas foi impactada fortemente pela seca severa de 2023, considerada a maior em 121 anos. O prejuízo foi de R$ 1 bilhão. O orçamento do estado foi impactado por conta de medidas necessárias como o aumento de 62% na folha trabalhista com servidores destinados as áreas de saúde, educação e segurança pública.

Em outubro de ano passado, bem no ápice da estiagem severa, o governador do Amazonas já havia afirmado que poderiam registrar uma arrecadação monetária bem menor que o necessário por conta do desabastecimento de atividades econômicas ocasionado pela seca. O que mais impactou os cofres públicos foi à redução de arrecadação do ICMS, a maior fonte de recursos próprios do Amazonas.

Uma crise que ainda não acabou

A seca na Amazônia é considerada complexa visto que é causada por uma combinação de fatores que incluem o desmatamento, as queimadas e as mudanças climáticas. Além disso, fenômenos em escala global podem aumentar ainda mais os impactos, como o El Niño que provoca uma estiagem mais prolongada e um aumento das temperaturas no Norte do Brasil.

Uma das maiores preocupações com relação à falta de chuva regular é a diminuição no nível dos rios, pois as comunidades ribeirinhas são duramente afetadas, as quais usam os rios como fonte de água, e quando não encontram são forçadas a buscar água em poços ou nascentes, que muitas vezes estão contaminados.

Segundo Wilson Sabino, professor do Instituto de Saúde Coletiva (Isco) da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), em Santarém, a insuficiência de água potável chega a ser uma situação contraditória na região amazônica, isso porque o recurso é uma das principais características do cenário amazônico, mas o acesso à água encanada, na maioria dos lares das comunidades, só ocorre através de um sistema de captação subterrânea, e que não é possível afirmar que essa água esteja dentro dos parâmetros aceitáveis para o consumo humano.

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Embarcação encalhada na comunidade de Nossa Senhora de Fátima, em Manaus, no Amazonas. Fonte: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

O problema da seca prolongada tem sido agravado após moradores voltarem a registrar doenças infecciosas que estavam de certa maneira sob controle, mas que ressurgiram com muita rapidez especialmente nas comunidades mais fragilizadas. As pessoas estão enfrentando falta de medicamento, ou até mesmo ter que escolher entre comprar remédio ou alimento, uma situação muito grave na região, em que tem começado a faltar também material de higiene, o que amplia ainda mais as doenças já existentes e abre margens para o aparecimento de outras novas.

Outro impacto da seca é a perda de biodiversidade, pois com a redução expressiva do nível dos rios, muitos peixes morreram ou migraram para outras águas, o que prejudica a pesca que é uma importante fonte de renda para as famílias da região Norte. Isso sem falar da agricultura que tem sido duramente impactada, as plantações estão morrendo, a produtividade tem diminuído, o que gera preocupação quanto à segurança alimentar da região e mais prejuízos quanto a fonte de renda das famílias.

O que esperar da chuva e da temperatura?

Para esses próximos dias, com a formação de instabilidades tropicais e pequenas áreas de baixa pressão atmosférica, a chuva pode se espalhar pela maior parte da região Norte. Volumes elevados até podem ser registrados até meados da semana que vem, mas isso de forma muito pontual e ainda insuficiente para reverter o déficit hídrico. Em pontos localizados no sudoeste do Amazonas e no centro do estado do Pará, são esperados volumes em torno de 120 milímetros, mas na maior parte da região, o volume de chuva pode ser bem menor.

Nos arredores de Manaus e Santarém, por exemplo, onde vivem muitas famílias ribeirinhas, a condição é de pouquíssima chuva ainda. Até a próxima quarta-feira (07) deve chover pouco menos de 50 milímetros. De modo geral, vale ressaltar que toda a região, mesmo as áreas com maior chuva prevista, continua com períodos de sol e temperaturas elevadas, ou seja, ainda segue a preocupação quanto às fumaças e fuligens geradas pelas queimadas.

O cenário vai continuar mais crítico por enquanto em Roraima e no noroeste do Pará com tempo predominantemente seco e muito quente. Porém, toda a região Norte, mesmo as áreas com potencial para chuva nos próximos dias e semanas de fevereiro, ainda deve enfrentar pouca reposição da água no solo e nos rios.

Nota-se que em meio às chuvas irregulares, o calor tem ficado cada vez mais intenso, o que aumentam os impactos da seca, pois o solo fica mais seco com a redução mais rápida da umidade disponível nas camadas mais próximas a superfície, a vegetação também fica mais seca, o que é favorável para as queimadas e o que é prejudicial para a alimentação do gado.

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Previsão de muito calor neste final de semana em Roraima com temperaturas em torno de 38°C em Boa Vista.

Em Roraima tem chovido menos comparado a outros estados da região, o que resulta em temperaturas mais elevadas, isso sem contar com a maior proximidade com a linha do Equador, ou seja, o clima por lá é naturalmente quente, mas tem sido agravado pela seca. Na tarde deste sábado (03), a máxima prevista em Boa Vista é de 38°C, algo que pode ser registrado por vários dias consecutivos, gerando estresse térmico na população, nas plantas e nos animais.

Ao que tudo indica, os rios ainda não vão se recuperar em fevereiro com a previsão de chuvas irregulares e mal distribuídas, e a esperança que fica é que a chuva retorne de maneira mais regular e volumosa nos próximos meses devido ao enfraquecimento do El Niño.

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Modelo europeu se mostra positivo quanto ao aumento das chuvas nesse trimestre no Norte do país com o enfraquecimento do El Niño. Fonte: ECMWF

Para o trimestre fevereiro-março-abril existe uma tendência de melhora no cenário, com expectativas de chuvas dentro ou até levemente acima da média na região, o que pode começar a gerar uma recuperação dos rios, ainda que de forma lenta. Uma neutralidade climática deve ser alcançada no outono de 2024, mas as chuvas só devem ganhar força no Norte do Brasil depois que o La Niña retornar, mas isso só está previsto para o final do ano.