Nossos peixes, sua biodiversidade? O embate no novo tratado dos oceanos
O Acordo BBNJ, recém‑assinado pela ONU, quer salvar a vida marinha em águas internacionais. Mas a definição de peixes como biodiversidade ou recurso econômico gera disputas que afetam desde o atum na feira até a costa brasileira.

Os países do mundo acabam de celebrar o Acordo BBNJ, primeiro tratado global dedicado a proteger a vida marinha em águas internacionais. A festa, porém, foi marcada por um debate acalorado: afinal, os peixes devem ser vistos como parte da biodiversidade a ser preservada ou como recurso econômico a ser explorado?
Pequenas nações insulares, potências pesqueiras e organizações ambientais travam uma disputa que vai muito além de redes e anzóis. Entender essa tensão ajuda a explicar por que definir regras para dois terços do oceano é tarefa tão complexa, e tão urgente.
De onde surge o conflito
O alto‑mar sempre foi considerado um “velho oeste” azul, onde cada país pesca onde consegue e como consegue. Agora, o BBNJ tenta estabelecer zonas protegidas, avaliações de impacto e partilha de benefícios. Mas nem todos concordam sobre o papel das pescas dentro desse pacote:
- Nações com grandes frotas temem proibições amplas que afetem empregos e alimentos.
- Países em desenvolvimento temem perder acesso a cardumes migratórios vitais para sua segurança alimentar.
- Ambientalistas alertam que sem proteção forte, espécies já pressionadas pelo excesso de captura podem colapsar.
- Cientistas lembram que ecossistemas marinhos são interligados: destruir o topo da cadeia afeta todo o sistema.

A frase de um delegado do Pacífico resume o impasse: “Nosso pescado não é a sua biodiversidade”. Para ele, peixe é subsistência antes de ser patrimônio global.
Peixes como riqueza genética
Além de proteína no prato, peixes carregam material genético valioso para remédios, cosméticos e biotecnologia. O novo tratado quer que descobertas feitas no alto‑mar gerem benefícios compartilhados, algo parecido com royalties sobre patentes.

Países ricos, com laboratórios de ponta, temem burocracia excessiva. Já nações de renda baixa temem ficar de fora da “corrida do DNA marinho” e querem garantias de acesso a tecnologias. O dilema torna clara a desigualdade: quem tem navios modernos e centrais de pesquisa pode lucrar duas vezes, pescando e patenteando. Sem mecanismos de equidade, a promessa de “oceanos para todos” vira retórica vazia.
Do alto‑mar à costa brasileira
O Brasil não fica à margem dessa história. Nossa frota industrial opera no Atlântico Sul, e boa parte do pescado que chega aos mercados nacionais depende de espécies migratórias que cruzam fronteiras invisíveis. Se o tratado criar áreas marinhas protegidas sobre rotas de atum, por exemplo, embarcações brasileiras terão de se adaptar, investindo em rastreamento e técnicas de pesca seletiva.
Por outro lado, a conservação pode trazer ganhos concretos. Ecossistemas saudáveis repõem estoques, reduzem riscos de colapso de espécies e atraem turismo costeiro. O desafio está em equilibrar curto prazo econômico com longo prazo ambiental. Para isso, o Brasil precisará fortalecer sua ciência oceânica, participar ativamente das decisões do BBNJ e dialogar com vizinhos sul‑americanos para harmonizar regras regionais. O futuro dos nossos pratos, e do nosso litoral, depende disso.
Referência da notícia
Our fish are not your marine biodiversity: tensions in integrating fisheries into the BBNJ Agreement. 26 de julho, 2025. Sebuliba, S., Elma, E. & Sammler, K.G.