Mudanças climáticas podem reduzir recarga de aquíferos no Brasil
Estudo da USP e do Inpe alerta para queda significativa na renovação dos aquíferos subterrâneos brasileiros até o fim do século, agravando o risco de escassez hídrica no país.

Um novo estudo realizado por cientistas do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (IGc-USP) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) alerta para um cenário preocupante: as mudanças climáticas podem reduzir drasticamente a capacidade de recarga dos aquíferos no Brasil. A pesquisa projeta os impactos de diferentes cenários climáticos sobre os reservatórios subterrâneos até o final do século e indica uma queda generalizada na disponibilidade de águas subterrâneas no território nacional.
Os aquíferos são formações geológicas que armazenam água abaixo da superfície e são reabastecidos principalmente pela infiltração de água das chuvas. Essa água alimenta poços, nascentes, rios e diversos ecossistemas. Hoje, mais da metade da população brasileira — cerca de 112 milhões de pessoas — depende total ou parcialmente dessa fonte.
A análise mostra que mesmo em regiões onde o volume total de chuvas deve se manter relativamente estável, como o Sudeste, o regime de precipitação vai mudar: verões mais intensamente chuvosos e longos períodos de estiagem. Esse novo padrão dificulta a infiltração da água no solo, prejudicando a recarga dos aquíferos.
Redução pode chegar a 28% em alguns sistemas
Segundo o geólogo Ricardo Hirata, coordenador do estudo, chuvas muito fortes e concentradas em pouco tempo tendem a causar escoamento superficial e enchentes, em vez de contribuir para a recarga do solo. “Mesmo quando a água infiltra, pode demorar meses até atingir os lençóis freáticos”, afirma.
Outros sistemas importantes, como os aquíferos Guarani, Furnas, Serra Geral, Bambuí Cárstico e Parecis, também devem sofrer perdas significativas. A tendência é mais crítica nas regiões Sudeste e Sul, embora o impacto seja nacional.
Falta de políticas públicas agrava o problema
Apesar de sua importância estratégica, os aquíferos seguem fora do foco das políticas públicas relacionadas à crise hídrica. “Quando se fala de mudanças climáticas, discute-se rios, vegetação, agricultura — mas os aquíferos ficam de fora da agenda”, destaca Hirata. Isso é preocupante, considerando que mais da metade dos municípios brasileiros depende da água subterrânea para abastecimento.

O Brasil possui cerca de 3 milhões de poços tubulares e outros 2 milhões escavados, que juntos extraem entre 550 e 600 metros cúbicos de água por segundo. A maior parte (entre 80% e 90%) é usada por setores privados — como agricultura, indústria e abastecimento urbano complementar.
Em São Paulo, por exemplo, apenas 1% do abastecimento público vem de aquíferos. Porém, os cerca de 13 mil poços privados da região metropolitana chegam a fornecer 11 metros cúbicos por segundo, o que durante a crise hídrica de 2014-2016 foi crucial, suprindo até 25% da demanda.
Recarga manejada é alternativa para preservar aquíferos
Como solução, o estudo propõe a adoção de técnicas de recarga manejada de aquíferos (MAR, na sigla em inglês). Essa estratégia consiste em favorecer a infiltração da água da chuva ou de águas residuais tratadas por meio de estruturas como bacias de infiltração, pequenas barragens ou sistemas de injeção direta no solo.
A técnica já é usada em países como a Espanha, e pode ser adaptada para o contexto brasileiro. “O solo funciona como um super-reator biogeoquímico, que purifica a água naturalmente ao longo do trajeto até o aquífero”, explica Hirata.
Nas grandes cidades, parte da recarga já ocorre de forma não intencional, como mostram estudos realizados na capital paulista. “Na região central de São Paulo, cerca de 50% da recarga subterrânea vem de vazamentos nas redes de água e esgoto”, revela o pesquisador. Isso indica que até mesmo a ocupação urbana pode, em alguns casos, colaborar com a reposição dos reservatórios subterrâneos — desde que devidamente gerida.
Referências da notícia
Poder 360. Mudanças climáticas podem reduzir recarga de aquíferos no Brasil. 2025