Mesmo com o La Niña, por que está chovendo tanto na Região Sul?

Uma das características do padrão climático sob influência do fenômeno La Niña é a irregularidade da precipitação na Região Sul. No entanto, o que se tem observado é o contrário nos últimos dias e nos próximos. Por que? Explicamos aqui.

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Chuvas frequentes e volumosas na Região Sul. O que está acontecendo com o padrão climático que é esperado para o La Niña?

O mês de maio marcou o início do inverno de 2022, com a incursão de uma poderosa massa de ar polar que contribuiu para geadas até no Brasil Central, para a ocorrência de fenômenos raros no país, precipitação de neve na Região Sul e para o frio também nas regiões Norte e Nordeste.

Além disso, a ameaçadora presença do ciclone subtropical Yakecan, que infelizmente resultou na morte de duas pessoas: uma no Uruguai e outra no Rio Grande do Sul.

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Precipitação acumulada e anomalia da precipitação para o mês de maio, segundo os registros das estações do INMET.

No entanto, o que vem intrigando mais as pessoas é a frequência dos eventos de precipitação, que também ocorrem de forma volumosa na Região Sul, mesmo com a presença do fenômeno La Niña, que, acredite, muitos acham que não está presente.

A figura abaixo mostra através da linha sólida preta a condição registrada das anomalias de temperatura da superfície do oceano na região central do Pacífico Equatorial, que o fenômeno La Niña está presente desde outubro de 2021 uma vez que as anomalias estiveram abaixo de 0,5°C. Vale lembrar também que a Região Sul vivenciou um período irregular de precipitação de novembro até março, com retomada das chuvas a partir de abril.

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Anomalia de temperatura para a região Niño 3.4, a maior e mais central que determina os fenômenos El Niña e La Niña.

Se o La Niña está presente e trouxe um padrão marcante ao longo do período úmido, o que mudou? Ou melhor, o que está influenciando e sendo mais impactante que o La Niña? A resposta está a seguir.

Fatores climáticos: Atlântico Sul, Oscilação Antártica e Oscilação de Madden-Julian

O que está influenciando o padrão climático na Região Sul é a combinação de três fatores: as águas da porção sul do Atlântico Sul (SST), a Oscilação Antártica (AAO) e a Oscilação de Madden-Julian (MJO).

A SST mais aquecida próxima à costa da Região Sul traz um condição mais favorável às chuvas quando uma frente fria, uma baixa pressão ou um ciclone atua sobre ela. Isso acontece porque há uma maior taxa de umidade e maior energia que os alimenta. No entanto, é necessário que esses sistemas passem por essa região e pelo Sul do Brasil. O que nos dá essa condição é a AAO.

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Anomalia registrada da temperatura da superfície dos oceanos no dia 29 de maio.

A AAO é um índice de previsibilidade máxima de 15 dias e mais confiável até o sétimo dia. Quando traz uma tendência negativa e, principalmente, quando atua em valores negativos, apresenta uma condição que favorece a maior atuação ou frequência de sistemas de precipitação no centro-sul do país, com maior probabilidade para a Região Sul.

Assim, pode-se observar que no fim de abril ocorreu uma forte tendência negativa que favoreceu as chuvas volumosas na Região Sul e também a atuação de uma frente fria, que na sua retaguarda estava a poderosa massa de ar polar.

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Comportamento da AAO e previsão para os próximos 15 dias.

Outro evento significativo de chuva está ocorrendo nesta semana. É exatamente uma resposta à última tendência negativa. No entanto, o sistema frontal está estacionário e o ar polar fica mais restrito à Região Sul. A resposta para esse comportamento está agora com a MJO.

Neste época do ano as fases 7 e 8 favorecem a ocorrência de precipitação no centro-sul do país, com maior efeito na Região Sul e nos estados do Mato Grosso do Sul e de São Paulo. No entanto, para tal é necessário que haja um sistema que provoque a precipitação. Por isso a combinação da AAO com as fases 7 e 8 da MJO contribuem a condição chuvosa desta semana, favorecendo a atuação de uma frente fria estacionária.

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Na esquerda efeito das fases da Madden-Julian e na direita a condição registrada em linhas pretas e a previsão segundo os modelos ECMWF e GFS.

Nos dias seguintes, quando a MJO não atua em uma fase específica, condição de neutralidade, e o índice da AAO é positivo, há a previsão de um período de aproximadamente 7 dias de tempo mais firme através da atuação de uma massa de ar frio e seco.