La Niña em 2025? Incertezas, certezas equivocadas e erros na classificação do fenômeno

O fenômeno La Niña tem sido anunciado e considerado nas previsões nos próximos meses. Algumas considerações podem estar erradas e levar a conclusões climáticas equivocadas.

La Niña
O fenômeno La Niña tem sido anunciado e considerado nas previsões nos próximos meses.

Recentemente, o Climate Prediction Center (CPC) da National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA) dos Estados Unidos divulgou a estimativa de 71% de probabilidade de desenvolvimento do La Niña. Outra instituição, a Bureau Of Meteorology, também aumentou a probabilidade para a formação do fenômeno.

No dia 9 de outubro, a NOAA emitiu um La Niña Advisory, indicando que as condições típicas do fenômeno La Niña estão presentes e devem persistir nos próximos meses.

Não temos um fenômeno La Niña estabelecido e tampouco a previsão do seu estabelecimento.

No entanto, esta informação vem sendo trabalhada de forma inadequada, ignorando a metodologia de classificação do fenômeno do La Niña e em que momento o resfriamento do Pacífico Equatorial poderia influenciar nos padrões climáticos do Brasil.

Antes de iniciarmos com a análise deste caso, vale lembrar que um La Niña havia sido previsto em vários momentos no ano de 2024, com anúncios de aumento da probabilidade do evento que não se concretizaram. No entanto, houve um aviso “forçado” da NOAA sobre a atuação do fenômeno entre o fim de 2024 e o início de 2025, essa “La Niña de curta duração” acabou não sendo considerada oficialmente pela mesma instituição, como mostra o quadro abaixo, no qual consta parte dos eventos de El Niño e La Niña a partir de 1950.

La Niña
Fenômenos El Niño e La Niña desde 2010, segundo a classificação da NOAA.

Isso acaba promovendo uma confusão entre o que é o La Niña e o que pode trazer um padrão climático semelhante ao fenômeno no Brasil. Não é qualquer resfriamento que afeta a circulação atmosférica, é necessário uma intensidade específica e persistência do padrão mais frio na região do Pacífico Equatorial. Não à toa que existem limites definidos para a classificação dos fenômenos El Niño e La Niña e suas consequências.

Definindo o fenômeno La Niña

O La Niña trata-se da fase fria do ciclo climático El Niño - Oscilação Sul (ENOS). O fenômeno ocorre quando as águas superficiais do Pacífico Equatorial central e leste, as regiões Niño 3.4 e Niño 1+2 ficam mais frias do que a média, com anomalias a partir de -0,5°C persistindo por vários meses. Segundo a NOAA, a classificação do fenômeno deve seguir os seguintes critérios:

  • A região Niño 3.4 deve apresentar anomalias de temperatura da superfície do mar (TSM) de pelo menos -0,5°C;
  • A condição acima deve persistir por pelo menos 5 trimestres consecutivos sobrepostos, por exemplo: out-nov-dez, nov-dez-jan, dez-jan-fev, jan-fev-mar e fev-mar-abr;
  • Os ventos alísios soprando de leste nas regiões tropicais em torno do Pacífico Equatorial, devem ser mais intensos que a média.

Assim, por esses critérios, principalmente os dois primeiros, não há como classificar um fenômeno La Niña para os próximos meses, uma vez que os modelos de previsão não apontam a persistência necessária para a confirmação do fenômeno, como os principais modelos CFSv2 e ECMWF.

Mas, será que o resfriamento abaixo de 0,5°C em relação à média em um mês, como em novembro seria o suficiente? A resposta é não.

Para a atmosfera responder aos estímulos da superfície do oceano na região do Pacífico Equatorial, a ponto de haver consequências sobre o Brasil, são necessários de 2 a 3 meses de persistência a depender da intensidade do resfriamento, para o caso do La Niña, ou do aquecimento, para casos de El Niño. Há eventos de ENOS que podem afetar o padrão climático em semanas, mas somente para casos de fenômenos muito intensos, com anomalias além de -1,5°C e 1,5°C nas regiões Niño 3.4 e Niño 1+2.

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Realização e previsão do modelo CFSv2 da anomalia de temperatura para a região do Niño3.4. Fonte: NOAA

Portanto, não temos um fenômeno La Niña estabelecido e tampouco a previsão do seu estabelecimento. Além disso, a região do Pacífico Equatorial não vai influenciar o clima no Brasil.

Correntes oceânicas dificultam o desenvolvimento do La Niña

As correntes oceânicas são influenciadas por fatores como ventos, rotação da Terra (efeito de Coriolis), temperatura e salinidade. No Oceano Pacífico, essas correntes desempenham papel fundamental na regulação climática, principalmente afetando as regiões costeiras do oeste da América, contribuindo para um padrão mais seco e, consequentemente, para regiões desérticas, como o Deserto do Atacama, que sofre influência de uma corrente fria, a Corrente de Humboldt (Corrente do Peru).

correntes oceânicas
Correntes oceânicas: Fonte: "Força de Coriolis e as grandes navegações do século XV" (Artigos Gerais - Rev. Bras. Ensino Fís. 45 - 2023).

A Corrente de Humboldt (Pacífico Sul) e a Corrente da Califórnia (Pacífico Norte) convergem para a região Equatorial do Pacífico, afetando diretamente as regiões Niño 1+2 e Niño 3.4, transportando águas mais frias ou anomalamente mais quentes.

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Anomalia de temperatura da superfície do mar do período de 20/07/2025 a 18/10/2025. Fonte: NOAA

Quando observamos as anomalias de TSM de três meses e um mês atrás, nota-se águas mais quentes ao sul do Pacífico Sul e no centro-norte do Pacífico Norte. Associando com as correntes de Humboldt e da Califórnia podemos concluir que há o transporte das águas mais quentes em direção às regiões Niño 1+2 e Niño 3.4, diminuindo a taxa de resfriamento e dificultando a formação do padrão de La Niña.

Padrão climático atual não está associado ao resfriamento do Pacífico Equatorial

Diante do bombardeamento de desinformação sobre o pseudo La Niña atual, a associação com o padrão climático atual com o fenômeno tem sido frequente. Isso mostra um desconhecimento sobre os impactos no Brasil. Assim, primeiramente, definimos esses impactos médios do La Niña:

  • temperaturas abaixo da média no centro-sul, associado com um redução das chuvas na região Sul;
  • Aumento das chuvas sobre o centro-norte, com destaque para o norte do Sudeste e regiões Norte e Nordeste.

É importante ressaltar que muitas fontes vão correlacionar o período da primavera e verão somente com a redução das temperaturas no centro-sul, principalmente no Sul, somente mostrando que essa condição é observada durante o inverno. Isso é resultado de uma análise simples utilizando apenas a correlação.

Climatologicamente, o Sul do Brasil apresenta aumento das chuvas durante o outono e o inverno, e redução da taxa de precipitação a partir de meados da primavera, mas sem demonstrar um período seco, principalmente se tratarmos do estado do Rio Grande do Sul.

Assim, quando há La Niña durante o outono-inverno, temos sinais trocados na influência das chuvas, o fenômeno apresenta redução e as estações, naturalmente, mostra aumento da precipitação, o que traz uma correlação negativa do fenômeno sobre a pluviometria. No entanto, o La Niña mantém esse viés de redução durante o período de tendência de diminuição das chuvas (primavera-verão), mas que não é detectado pelo método da correlação, uma vez que os vetores de influência na precipitação estão na mesma direção. Portanto, a análise correta deve ser através da lógica do impacto físico do fenômeno.

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Anomalia da geopotencial (GPH), quadro superior, com o sinal registrado da Oscilação Antártica (AAO), quadro inferior. Fonte: NOAA

Dito isso, por que as chuvas estão frequentes no centro-sul do Brasil, principalmente sobre a Região Sul, onde houve registro de eventos volumosos e de tempo severo? A resposta está sobre a Antártica, onde o Vórtice Polar está enfraquecido em razão do aquecimento mais intenso da atmosfera na região, principalmente na estratosfera. Isso resulta em um índice de Oscilação Antártica (AAO) negativo, que representa um aumento da frequência de sistemas transientes de precipitação (baixas pressões, ciclones, frente frias) e de massas de ar frio sobre o centro-sul do Brasil. Durante a primavera, esses sistemas podem adquirir maior amplitude, atingindo o Brasil Central, o sul e o leste do Nordeste.

Além da AAO, atualmente há a influência do Dipolo do Índico (IOD), que está na sua fase negativa, com índice muito intenso. Em casos de IOD negativo, há um aumento das chuvas na porção entre as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste na primavera, e mais para o centro-norte, incluindo o Sudeste, durante o verão, mas podendo ser observado esse efeito a partir do fim da primavera.

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Realização e previsão do índice IOD. Fonte: Bureau Of Meteorology

Como ambos os padrões, IOD e ENOS muitas vezes estão associados, IOD negativa está associado a eventos de La Niña, mas não necessariamente a região do Pacífico Equatorial estar afetando diretamente no padrão climático no Brasil.

Como conclusão, é errado classificar e trabalhar com a atuação de um fenômeno La Niña. Isso é desconsiderar o método de classificação, o comportamento dos modelos de previsão e, principalmente, os demais fatores climáticos que influenciam o clima no Brasil.