Desmatamento e luz urbana elevam risco de Chagas em Salvador; diz estudo
Em Salvador, um estudo relaciona o avanço urbano sobre fragmentos de mata ao aumento de barbeiros dentro de casas. A luz artificial, o desenho do bairro e escolhas simples no entorno ajudam a explicar, e a reduzir, o risco de doença de Chagas.

A urbanização avança, os fragmentos de mata encolhem e um visitante indesejado aparece com mais frequência dentro de casa: o barbeiro, inseto que pode transmitir o parasita da doença de Chagas. Um estudo recente analisou Salvador (BA) para entender como mudanças no uso do solo se conectam às invasões domiciliares desse inseto, oferecendo pistas úteis para outras cidades brasileiras em rápida transformação.
Sem alarmismo, mas com base em evidências, os autores mostram que o crescimento urbano sobre áreas próximas a remanescentes florestais aumenta a chance de adultos do barbeiro entrarem nas residências, e que escolhas simples no entorno podem reduzir esse risco.
O que o estudo investigou
Os pesquisadores mapearam onde e quando os barbeiros foram encontrados dentro de casas entre 2007 e 2019, cruzando esses registros com a evolução do uso do solo desde 1985. Ao longo dessas décadas, Salvador viu a área urbana se expandir sobre mosaicos agroflorestais, ao mesmo tempo em que remanescentes de mata ficaram mais próximos da vida cotidiana.

O padrão que emergiu foi claro: bairros com grandes fragmentos florestais ou desmatamento recente concentraram mais ocorrências. A maior parte dos insetos capturados eram adultos, o que indica invasões pontuais (atraídas, por exemplo, por luz artificial), não necessariamente colonização das casas. Em termos de sanidade, isso importa porque uma fração relevante dos indivíduos testados carregava o Trypanosoma cruzi.
Como a cidade atrai o inseto: pistas práticas
Além do desmatamento, fatores urbanos amplificam o problema, e muitos são ajustáveis. Os resultados dialogam com medidas simples de prevenção e planejamento do entorno.
- Reduzir a atração luminosa direta para áreas verdes (preferir luminárias direcionadas e luz mais quente).
- Vedar frestas em janelas, telhados e rodapés; instalar telas em áreas críticas.
- Organizar o peridomicílio: pilhas de materiais, galinheiros e abrigos de animais atraem insetos.
- Manejar árvores próximas às fachadas para diminuir “pontes” de acesso.
- Estimular ciência cidadã: fotografar e reportar barbeiros acelera a resposta das equipes de saúde.

Em paralelo, os dados de satélite ajudam a priorizar bairros onde fragmentos florestais “encostam” nas casas. A integração entre vigilância tradicional e plataformas como o MapBiomas permite antecipar hotspots e orientar campanhas educativas.
E agora? Vigilância, planejamento e informação
O estudo reforça uma visão prática: a doença de Chagas em áreas urbanas não depende só do inseto, mas da paisagem construída. Iluminação pública, manutenção de áreas verdes, licenciamento de obras e políticas de habitação podem reduzir o encontro entre pessoas e barbeiros. É saúde pública dialogando com urbanismo.
Para o leitor, a lição é direta: reconhecer o inseto, saber para onde enviá-lo para identificação e adotar pequenos ajustes na casa já faz diferença. Para as prefeituras, integrar mapas de cobertura do solo, dados de vigilância e ações educativas baratas é um caminho eficiente. Em tempos de calor mais intenso, que pode acelerar ciclos de vida de vetores, essa agenda fica ainda mais relevante: proteger a floresta certa, no lugar certo, também protege gente.
Referência da notícia
Deforestation effects and house invasion by chagas disease vectors in Brazil. 31 de outubro, 2025. Ribeiro-Jr, G., Verde, M.R.V., Argibay, H.D. et al.