Amazônia em alerta: modelos projetam um colapso gradual da floresta; entenda o que pode acontecer

Uma geração de modelos aponta que a Amazônia pode sofrer um colapso gradual ao longo de séculos, impulsionado por calor e menos chuva. Entenda o que isso significa, quando pode começar e como o Brasil pode reagir.

Água, amazonas
Com menos árvores saudáveis e menos água disponível, insetos, anfíbios, peixes e aves sofrem alterações nos ciclos de reprodução e alimentação, comprometendo todo o equilíbrio da floresta.

A Amazônia é muitas coisas ao mesmo tempo: fábrica de chuvas, armazém de carbono, corredor de umidade que refresca cidades e plantações. Agora, uma nova leva de simulações climáticas traz um alerta que merece atenção.

Em cenários de aquecimento elevado, parte da floresta pode perder, aos poucos, sua força vital, a capacidade de crescer e reciclar água, entrando num processo conhecido como morte regressiva (dieback), ou retrocesso florestal.

Longe de um apagão repentino, os modelos indicam um caminho lento, que se desenrola ao longo de décadas e até séculos. O motor principal é o calor persistente, reforçado por reduções de chuva e por mudanças na circulação atmosférica que deixam a região mais quente e seca. Entender esse risco não é catastrofismo: é informação para planejar o futuro de quem vive, produz e depende da Amazônia, que, direta ou indiretamente, inclui todos nós.

O que os modelos mostram até o século XXIII

Pesquisadores compararam uma dúzia de modelos de sistema terrestre e encontraram um padrão preocupante: a maioria projeta queda acentuada da produtividade da floresta sob emissões elevadas. Em termos simples, a “fábrica verde” passa a produzir menos, porque as árvores respiram mais sob calor extremo e têm menos água para manter o metabolismo. É como correr no sol do meio-dia sem água: o corpo consome energia para sobreviver, não para crescer.

Seca, água, modelos
Simulações climáticas mostram que, sob aquecimento intenso, a floresta pode perder grande parte de sua capacidade de crescer e reciclar água, em um processo lento que pode durar séculos.

Quando começa e até onde vai? Os estudos sugerem que o processo pode iniciar ainda neste século em algumas áreas e se intensificar no seguinte, com partes da floresta cruzando limiares de estresse térmico e hídrico. Em várias simulações, o recuo não é uniforme: bolsões mais secos e quentes cedem primeiro, enquanto regiões mais úmidas resistem por mais tempo. Essa heterogeneidade ajuda a explicar por que mapas e prazos variam entre modelos, e por que é prudente encarar projeções como faixas de possibilidade, não certezas rígidas.

Os motores do colapso, em linguagem clara

Por que a floresta perde fôlego? A ciência aponta um conjunto de engrenagens que giram juntas, com o calor geralmente no comando. Em linguagem do dia a dia, pense em pressões que se somam e se retroalimentam:

  • Calor constante: dias e noites mais quentes aumentam a “respiração” das plantas, que gastam mais energia para manter funções básicas e menos para crescer.
  • Menos chuva e secas mais longas: solo seco significa estresse hídrico; folhas fecham estômatos para economizar água, travando a fotossíntese.
  • Circulação atmosférica alterada: deslocamentos nas faixas de chuva e mudanças no Atlântico tropical podem reforçar o aquecimento e o “desligamento” da umidade amazônica.
  • Fogo e nutrientes: incêndios mais frequentes e solos pobres em fósforo limitam a recuperação; a “adubação” por CO₂ não faz milagres quando falta água e há calor demais.

No conjunto, essas pressões empurram o sistema para um estado menos produtivo. Importante: mesmo sem desmatamento adicional, o clima sozinho já seria suficiente, em vários cenários, para acelerar o enfraquecimento da floresta. O desmate e a degradação, por sua vez, funcionam como multiplicadores de risco, antecipando o cruzamento de limiares locais.

Impactos práticos e caminhos de ação

O que isso significa para o Brasil, já em 2025? Em primeiro lugar, atenção redobrada aos “rios voadores”: se a Amazônia recicla menos umidade, regiões produtoras do Centro-Oeste, Sudeste e Sul podem sentir impactos em janelas de plantio, produtividade e disponibilidade de água. Setores como energia hidrelétrica e navegação fluvial também entram na conta.

É um risco sistêmico que pede integração entre agricultura, meio ambiente e planejamento econômico, evitando surpresas na próxima estiagem forte.

Em segundo lugar, o timing importa. Se o processo é gradual, há espaço para agir: zerar o desmatamento e a degradação, restaurar áreas estratégicas (bordas, margens de rios, corredores úmidos), reduzir queimadas e investir em monitoramento climático e de saúde da floresta.

Ferramentas já existem, de alertas por satélite a previsão agrometeorológica de alta resolução, e podem orientar decisões no campo, da escolha de cultivares mais tolerantes ao calor e à seca ao manejo de irrigação e sombreamento. Em paralelo, metas climáticas ambiciosas, crédito rural verde e cooperação entre estados amazônicos podem transformar ciência em políticas que protegem a floresta e a segurança hídrica de todo o país.

Referência da notícia

Amazon dieback beyond the 21st century under high-emission scenarios by Earth System models. 20 de agosto, 2025. Melnikova, I. et., al.