Florestas que viram chuva: estudo mostra como elas ajudam a manter a safra global
Um estudo internacional mostra que a umidade reciclada por florestas sustenta 18% da produção global e 30% das exportações agrícolas. No Brasil e vizinhos, conservar árvores significa garantir chuva nas lavouras, reduzir riscos e estabilizar preços.

Uma pesquisa publicada na revista Nature Water revela um elo pouco visível, e decisivo, entre florestas e agricultura: o vapor d’água que as árvores liberam via evapotranspiração viaja com os ventos e volta em forma de chuva sobre áreas agrícolas. Segundo o estudo, essa “umidade fabricada” pelas florestas sustenta cerca de 18% da produção de cultivos no mundo e 30% das exportações analisadas.
Assinado por uma equipe internacional de centros europeus de referência, o estudo traduz um ponto simples em números robustos: florestas funcionam como uma infraestrutura hídrica invisível que sustenta lavouras e comércio. Proteger e restaurar essas áreas, nos trópicos e fora deles, ajuda a manter a chuva em momentos críticos do ciclo agrícola, reduz riscos de quebra de safra e modera oscilações de preços.
Como a floresta vira chuva
Quando chove sobre florestas, parte dessa água retorna rapidamente à atmosfera: as copas “interceptam” a precipitação, as raízes profundas puxam umidade do solo e as árvores transpiram. Esse vapor pega carona nas correntes de ar e precipita a centenas ou milhares de quilômetros adiante. Os autores rastrearam esses fluxos de umidade ao longo de uma década e os cruzaram com mapas de áreas agrícolas e estatísticas de produção e comércio de grãos.

O resultado desenha um “mapa de dependências”: há países cuja chuva agrícola vem, em boa medida, de florestas localizadas além-fronteiras; outros contam mais com a reciclagem de umidade dentro do próprio território. Em ambos os casos, cortar floresta a montante reduz a água que chega às lavouras a jusante, especialmente em janelas críticas de plantio, florescimento e enchimento de grãos.
O que os dados mostram
Ao rastrear a umidade “fabricada” pelas florestas e compará-la com áreas agrícolas e fluxos de comércio, o estudo desenha um mapa de dependências hídricas entre países e culturas. Eis os principais achados:
- 155 países dependem de florestas em outros países para até 40% da chuva anual sobre áreas agrícolas.
- Em 105 países, até 18% da precipitação que irriga lavouras é reciclada por florestas dentro do próprio território.
- Florestas extratropicais ganham destaque em meses-chave, ajudando culturas sensíveis (como o trigo) a atravessar ondas de calor e secas.
- Na América do Sul, o Brasil aparece como fornecedor regional de umidade: envia “chuva” atmosférica para Peru, Equador, Bolívia, Paraguai, Uruguai e Argentina, e, por tabela, sustenta exportações que chegam a compradores na Europa, Ásia, África e Oceania.
- Produtores, exportadores e importadores acabam conectados por circuitos circulares e em cascata de umidade e de grãos, um lembrete de que florestas e mercados caminham juntos.
Esses números ajudam a explicar por que alguns choques climáticos “longe” viram problema “perto” no bolso do consumidor. Se a fonte de umidade que alimenta uma região produtora falha, a quebra de safra viaja pelo comércio e pressiona preços em outros continentes.
Brasil e vizinhos: a fábrica de umidade do Cone Sul
A floresta amazônica e outros biomas funcionam como estabilizadores hidrológicos para lavouras no próprio Brasil e nos países vizinhos. Quando essa máquina perde peças, por desmatamento ou degradação, cai a chuva reciclada, sobe o risco de replantio e encurta janelas de cultivo, inclusive para o milho segunda safra.
A boa notícia é que há margem de ação. Restaurar vegetação nativa em áreas estratégicas, proteger matas ciliares e integrar conservação florestal a planos agrícolas regionais é reforçar a resiliência climática. O estudo sugere, inclusive, que acordos comerciais e políticas de risco poderiam reconhecer a “umidade em trânsito” como um serviço ecossistêmico real, e valioso, para quem planta e para quem compra.
Referência da notícia
Forests support global crop supply through atmospheric moisture transport. 23 de outubro, 2025. Pranindita, A., et al.