Exploração da floresta amazônica aumenta a vulnerabilidade ao fogo na estação seca, segundo estudo

Experimento na Floresta Nacional do Jamari avaliou microclima e inflamabilidade após exploração seletiva. Com a ausência de chuvas, os combustíveis secam rapidamente, a ignição se acelera e o mosaico explorado torna-se mais vulnerável ao fogo na estação seca.

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Vista aérea do desmatamento e da destruição da floresta amazônica causados pela mineração ilegal de ouro e outros metais na rodovia BR 364, perto da Floresta Nacional do Jamari, no estado de Rondônia.

A Amazônia armazena carbono, regula o clima e sustenta milhares de espécies, mas sofre com um combo perigoso: desmatamento, exploração seletiva de madeira e estações secas cada vez mais quentes e longas. Um novo estudo na Communications Earth & Environment investigou, de forma experimental, o que acontece no primeiro período seco logo após a colheita de madeira.

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Vista aérea do desmatamento e destruição da floresta nativa da Amazônia para abrir área de pasto para gado perto da Floresta Nacional do Jamari, no estado de Rondônia

A pesquisa ocorreu na Floresta Nacional do Jamari (Rondônia) e foi conduzida por uma equipe interdisciplinar de universidades e centros de pesquisa do Brasil, do Reino Unido, do Canadá e dos Estados Unidos. O objetivo foi medir, em campo, como as clareiras de exploração alteram o microclima do sub-bosque e a facilidade com que a serapilheira pega e sustenta fogo. Trata-se de uma avaliação experimental inédita nessa escala para a Amazônia brasileira.

O experimento no Jamari

Os pesquisadores monitoraram clareiras abertas pela exploração seletiva e trechos adjacentes de floresta intacta. Com sensores, registraram temperatura do ar, umidade e a “temperatura de pele” do chão sob o dossel.

Também coletaram serapilheira para estimar seu teor de umidade e, em uma arena controlada, testaram se o material acendia, quanto tempo demorava para pegar fogo e por quanto tempo as chamas se mantinham.

O desenho abrangeu clareiras de tamanhos diferentes e medições a várias distâncias de suas bordas (do centro até 50 m mata adentro). O recorte temporal foi crítico: a primeira estação seca pós-colheita, quando combustíveis finos secam rápido e qualquer fonte de ignição, de máquinas ou queimadas vizinhas, pode resultar em incêndios florestais.

O que muda no microclima (e por que isso importa)

Clareiras funcionam como “fornos” solares. O estudo mostrou que, ao avançar para dentro da mata, o ar fica mais fresco e úmido e a superfície do solo, menos quente, efeito mais forte em clareiras grandes. À medida que os dias sem chuva se acumulam, a serapilheira perde água e se torna mais suscetível a queimar.

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A Floresta Nacional do Jamari, em Rondônia, abriga áreas de manejo florestal sustentável e foi palco de experimentos que revelaram como a exploração seletiva pode tornar o sub-bosque mais vulnerável ao fogo.

Principais achados:

  • A cada poucos metros para dentro da floresta, cai a temperatura e sobe a umidade do ar, reduzindo o estresse térmico do sub-bosque.
  • Clareiras maiores elevam mais a “temperatura de pele” do solo, acelerando a secagem dos combustíveis finos.
  • O fator decisivo para a inflamabilidade foi o avanço da estação seca: mais dias sem chuva = ignição mais rápida e chamas que duram mais.
  • No cenário testado, o mosaico explorado tende a ficar vulnerável de forma relativamente uniforme, independentemente do tamanho das clareiras, se houver fonte de ignição.

Implicações e caminhos práticos

A mensagem é clara: a exploração seletiva, mesmo com técnicas de impacto reduzido, cria condições que favorecem a secagem dos combustíveis. Mas quem “dá a partida” no fogo é a combinação de estiagem e ignições humanas. Por isso, gestão e fiscalização precisam mirar o calendário hidrometeorológico tanto quanto o mapa de concessões.

Em anos de El Niño, quando a seca tende a se prolongar, a atenção deve ser redobrada.

Protocolos simples ajudam. “Dias desde a última chuva” pode virar gatilho para vetar faíscas no campo (soldas, queimadas de resíduos, manutenção), reforçar patrulhas e acionar brigadas preventivas. Planejamento que minimize clareiras e danos colaterais, manutenção de faixas sombreadas e controle de gramíneas invasoras nas bordas reduzem a propagação.

Em paisagens de produção, integrar empresas, comunidades e órgãos ambientais em planos sazonais de risco é estratégico. Em um clima que esquenta, o intervalo entre a motosserra e a próxima frente de fogo tende a encolher; agir nessa janela é decisivo.

Referência da notícia

Experimental assessment of forest flammability after selective logging in theBrazilian Amazon. 24 de agosto, 2025. Machado, M., et. al.