Cheias que matam o arroz: estudo revela perdas globais preocupantes; veja os dados

Enchentes que mantêm lavouras de arroz submersas por dias já derrubam safras no mundo inteiro, segundo novo estudo, acendendo alerta para segurança alimentar e para o manejo de risco climático em países produtores, inclusive no Brasil rural.

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O cultivo de arroz, base alimentar global, torna-se cada vez mais sensível às variações climáticas extremas.

Quando pensamos em risco climático para a agricultura, quase sempre a seca vem primeiro à cabeça. Mas um novo estudo publicado na revista Science Advances mostra que o excesso de água, em forma de enchentes extremas, já vem corroendo silenciosamente a produção mundial de arroz, alimento básico para mais da metade da população do planeta.

Segundo a pesquisa, cheias severas reduziram, em média, 4,3% da produtividade global entre 1980 e 2015, o equivalente a cerca de 18 milhões de toneladas de arroz por ano.

Na prática, isso significa menos comida disponível, mais pressão sobre preços e mais vulnerabilidade justamente nas regiões que dependem fortemente do arroz para garantir o prato de cada dia. E o impacto não é só estatística: reportagens recentes mostram agricultores na Índia, no Nepal e na Tailândia lidando com colheitas perdidas após chuvas torrenciais e enchentes, com governos correndo para drenar água de arrozais e tentar salvar parte da safra.

Quando a água deixa de ser aliada

O arroz é uma cultura “amiga da água”: precisa de solo encharcado em parte do ciclo, principalmente nas fases iniciais de crescimento. Só que há um limite. Os pesquisadores definem, pela primeira vez, o que chamam de “cheias que matam arroz”: situações em que as plantas ficam totalmente submersas por pelo menos sete dias. A partir desse ponto, a maioria das variedades tradicionais simplesmente não resiste.

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O excesso de água pode transformar lavouras de arroz saudáveis em áreas de risco produtivo.

Foi usando essa definição que a equipe combinou séries históricas de enchentes e secas, dados de rendimento de arroz, modelos hidrológicos e simulações de umidade do solo para mapear, bacia por bacia, onde e quanto as cheias já vêm derrubando a produção.

Algumas regiões se destacam pela gravidade e pela frequência das “cheias que matam arroz”

Por exemplo, o vale do Sabarmati, na Índia, áreas da China oriental, a Coreia do Norte, partes da Indonésia e do Nepal, além do estado indiano de Bengala Ocidental, como verdadeiros pontos quentes de risco.

O que o estudo mediu, e o que isso muda na prática

Para além dos números globais, a pesquisa traz recados bem concretos para quem vive do arroz. Entre os principais:

  • Perdas anuais significativas: em média, 4,3% a menos de produtividade global por ano entre 1980 e 2015 por causa de enchentes extremas, algo em torno de 18 milhões de toneladas.
  • Tendência de piora: desde 2000, as perdas ligadas a enchentes cresceram, acompanhando o aumento de eventos de chuva intensa nas bacias produtoras.
  • Concorrência com a seca: a seca ainda responde por perdas ainda maiores (em torno de 8,1% ao ano no mesmo período), mas o estudo mostra que não dá mais para olhar só para a falta de água.
  • Efeito combinado: quando secas e enchentes se alternam na mesma safra, secando o solo e depois afogando as plantas, as quedas de rendimento praticamente dobram em relação a eventos isolados.

Um dos pontos mais animadores do trabalho é a avaliação das variedades de arroz resistentes a enchentes, já desenvolvidas e testadas em vários países do Sudeste Asiático.

E o arroz brasileiro nesse cenário de cheias extremas?

À primeira vista, o estudo parece falar só da Ásia, onde estão as maiores áreas de arroz irrigado do planeta. Mas o alerta se conecta diretamente ao Brasil. O país é referência em arroz irrigado por inundação, em especial na Região Sul, com grandes áreas em planícies sujeitas a cheias, além de áreas de várzea em outras regiões.

Em anos de chuva acima da média, não é raro ver produtores gaúchos e catarinenses relatando perda de lavouras inteiras após rios transbordarem ou diques falharem.

No caso brasileiro, as descobertas também reforçam discussões sobre seguro rural e crédito: se enchentes extremas já são estatisticamente mensuráveis no arroz mundo afora, faz sentido que políticas públicas e privadas incorporem esse risco nos modelos de seguro, nos critérios de financiamento e nas estratégias de adaptação em nível de bacia hidrográfica.

Para o produtor, a mensagem é direta: entender que água demais pode ser tão perigosa quanto água de menos ajuda a ajustar o manejo, diversificar áreas, buscar cultivares mais tolerantes e pressionar por infraestrutura hídrica que realmente proteja o arroz, e o prato de quem depende dele todos os dias.

Referência da notícia

Severe floods significantly reduce global rice yields. 14 de novembro, 2025. Li, Z. et al.