Cacau sob ataque: a vassoura-de-bruxa que virou o jogo na Bahia e o alerta das quarentenas

A vassoura-de-bruxa chegou à Bahia em 1989, quebrou a economia do cacau e mudou o Brasil. A ciência ajudou na recuperação, e agora a lição serve para barrar novas pragas quarentenárias, como a monilíase, na fronteira norte.

Cacau, Bahía, praga
Brotações deformadas e secas e frutos com lesões, sinais típicos da doença causada pelo fungo Moniliophthora perniciosa.

O chocolate parece um prazer simples, mas nasce de lavouras que sustentam milhares de famílias. No fim dos anos 1980, o sul da Bahia viveu um choque histórico: a vassoura-de-bruxa apareceu nos cacauais e derrubou uma região que era potência mundial.

Até hoje o episódio rende histórias e suspeitas, mas a ciência explica bem o que a praga faz e por que ela foi tão devastadora.

Foi uma crise que redesenhou o mapa do cacau no país e revelou o peso da sanidade vegetal. Voltar a esse passado é importante porque o cacau brasileiro está se reerguendo, com sistemas agroflorestais mais tecnificados e novos plantios em outras regiões.

Bruxa, vassouras, praga
Poda sanitária, retirada de vassouras e uso de materiais resistentes são práticas-chave para conviver com a praga e recuperar a produtividade.

Ao mesmo tempo, o país convive com o risco de pragas quarentenárias, doenças ausentes ou restritas, sob controle oficial, que podem repetir um desastre semelhante se entrarem sem vigilância.

Quando a vassoura chegou

A vassoura-de-bruxa é causada pelo fungo Moniliophthora perniciosa. Ele infecta brotações, flores e frutos, formando ramos deformados que secam e viram “vassouras”. Essas estruturas liberam esporos, e em clima quente e úmido o ciclo se acelera, podendo derrubar a produção em poucos anos quando não há manejo.

Cacau, cacao, chocolate
Cacauais da Bahia: cultivo tradicional em sistemas sombreados (cabruca/agrofloresta) que sustentam produção, biodiversidade e renda local.

O patógeno é nativo da Amazônia, mas a Bahia era considerada área livre. A primeira detecção oficial no sul baiano ocorreu em maio de 1989, em Uruçuca, seguida por outros focos em poucos meses. Estudos genéticos sugerem mais de um surto primário na região, algo compatível com a explicação técnica mais aceita: a entrada ocorreu por ação humana, com transporte de material vegetal infectado, frutos, ferramentas ou pessoas entre áreas doentes e sadias.

A lição das pragas quarentenárias

Praga quarentenária é aquela que não existe no país (ou está muito limitada) e, por isso, tem prevenção e vigilância permanentes. Para o cacau, a maior ameaça atual é a monilíase, causada por Moniliophthora roreri. Ela ataca apenas os frutos, pode causar perdas de 30% a 100% e é classificada pelo Ministério da Agricultura como praga quarentenária ausente, com plano nacional e protocolos de biossegurança.

Pragas, quarentenarias
Doenças e insetos ausentes ou restritos no Brasil, monitorados pela defesa vegetal para evitar entrada e dispersão a primeira barreira é a vigilância no campo e o controle do trânsito de mudas e frutos.

A experiência da vassoura mostrou que a maioria das introduções acontece por rotas bem cotidianas. Por isso, as recomendações oficiais insistem em cuidados práticos como:

  • não trazer mudas, estacas ou frutos de outras regiões sem certificação;
  • higienizar botas, facões, sacarias e veículos antes de entrar em áreas de cultivo;
  • reduzir visitas a lavouras quando houver suspeita de doença;
  • avisar rapidamente a defesa vegetal ao notar sintomas novos.

Bahia depois do choque: convivência e futuro do cacau

A recuperação baiana não veio de uma cura única. Ela foi construída com manejo integrado: poda sanitária frequente para retirar vassouras, coleta de frutos doentes, uso criterioso de fungicidas protetores e controle biológico com Trichoderma stromaticum.

Quanto mais regular esse manejo, menor o “estoque” de esporos no campo.

Em paralelo, a Ceplac acelerou o melhoramento genético e passou a recomendar clones mais tolerantes, como PH-16, PS-1319, CCN-51, Cepec 2002 e SJ-02, sempre com a orientação de diversificar materiais para evitar que o fungo se adapte.

O desafio é ampliar produtividade sem perder sombra e biodiversidade, mantendo monitoramento constante: o fungo responde ao clima, e anos mais úmidos podem aumentar a pressão da doença. A lição final é direta, ciência no manejo e rigor na quarentena são o caminho para o cacau brasileiro prosperar sem repetir o trauma de 1989.

Referência da notícia

Guia de manejo integrado de pragas e doenças do cacaueiro 2da Edição. Agosto, 2025. AIPC.