O que aconteceria se o derretimento das geleiras desencadeasse a fúria dos vulcões?
Sob o gelo derretido, bombas vulcânicas ameaçam despertar. Será que o clima poderia reacender o fogo sob nossos pés? Explicado.

Cientistas estão soando o alarme: o derretimento do gelo pode reativar alguns vulcões e alterar o comportamento eruptivo de outros, às vezes em áreas que ainda não foram monitoradas adequadamente.
Essa estreita relação entre clima e atividade vulcânica, há muito ignorada, agora é confirmada por uma série de estudos e modelos geológicos.
Quando o gelo libera vulcões
Quando uma camada de gelo derrete, ela para de exercer sua pressão colossal sobre a crosta terrestre. A crosta terrestre, aliviada, sobe lentamente em um fenômeno conhecido como rebote isostático.
Mas não é simplesmente um ajuste vertical: essa elevação racha rochas, altera sistemas magmáticos e pode desencadear erupções, às vezes vários séculos depois do gelo ter desaparecido.
O registro geológico da última grande deglaciação, que ocorreu há cerca de 12.000 anos, revela um aumento dramático na atividade vulcânica em diversas regiões do globo.
Na Islândia, pesquisadores observaram que, após o recuo das geleiras, o número de erupções aumentou de 30 a 50 vezes. Na Patagônia chilena, vulcões como o Cerro Hudson e o Vulcão Macá, que permaneceram silenciosos por milênios sob mais de 1.500 metros de gelo, entraram em erupção nos séculos seguintes ao derretimento.
Esses precedentes geológicos estão agora sob análise, pois podem ser um prenúncio do que pode acontecer novamente. As pesquisas mais recentes corroboram essas preocupações.
Os vulcões serão mais instáveis até 2100
Um estudo de 2022 analisou como as mudanças climáticas afetarão os vulcões ativos até o final do século. A descoberta é inédita: 716 vulcões ativos em todo o mundo, ou 58% deles, estarão expostos a chuvas extremas até 2100. Essas chuvas torrenciais, que se infiltram em encostas ou crateras, podem não apenas causar explosões hidrotermais, mas também desencadear deslizamentos de terra devastadores, especialmente em regiões tropicais e glaciais.
Além disso, o aumento das temperaturas também altera o comportamento das plumas vulcânicas. De acordo com esses modelos, a altura das plumas eruptivas poderia diminuir de 1 a 2 quilômetros, o que prejudicaria sua capacidade de injetar aerossóis na atmosfera superior e influenciar o clima global.
O enigma vulcânico sob a Antártida Ocidental
Talvez a ameaça mais silenciosa e menos monitorada esteja sob a Antártida Ocidental. Cientistas descobriram mais de 100 vulcões enterrados sob o gelo, alguns com significativo potencial de erupção.
O Monte Érebo, já ativo e conhecido por seu lago de lava permanente, é um exemplo. O Monte Waesche, por outro lado, tem um histórico de erupções que remonta aos períodos mais quentes do passado geológico. O Monte Takahe, por sua vez, é suspeito de ter influenciado uma grande mudança climática há cerca de 17.700 anos, ao injetar grandes quantidades de aerossóis na atmosfera.
Segundo o sismólogo Rick Aster, alguns desses vulcões podem ser sustentados por zonas anormalmente quentes da crosta, alimentadas por plumas profundas do manto. Se a camada de gelo continuar a se romper, esses sistemas de magma podem ser reativados, com potenciais efeitos globais.
Um círculo vicioso: clima, gelo e vulcões
O perigo não se limita a uma simples explosão local. O que os pesquisadores temem cada vez mais é o surgimento de um ciclo de retroalimentação entre o clima e a atividade vulcânica.
O cenário seria o seguinte: o aquecimento global acelera o derretimento do gelo, o que promove erupções; algumas dessas erupções liberam dióxido de carbono, ou, inversamente, enxofre, que resfria temporariamente a atmosfera; em ambos os casos, essas perturbações podem alterar os equilíbrios climáticos e reacender dinâmicas geológicas ainda não totalmente previstas.
Se esses ciclos forem ativados, eles poderão complicar significativamente as previsões climáticas e aumentar a instabilidade em certas regiões sensíveis.
Apelo para reforçar a monitorização vulcânica
Diante desses riscos emergentes, os cientistas pedem maior monitoramento de vulcões em regiões glaciais ou polares. Muitos desses sistemas ainda carecem de instrumentação adequada devido à falta de recursos ou ao seu isolamento geográfico.
O desafio agora é cruzar dados geológicos, climáticos e hidrológicos para identificar áreas de risco, refinar modelos e antecipar efeitos em cascata.
Referências da notícia
Marechal, A. (2024, 09 octobre). Le changement climatique aura aussi un impact sur les éruptions volcaniques. Propos de V. Pinel & T. Aubry. Polytechnique Insights.
Carrington, D. (2025, 08 juillet). Melting glaciers and ice caps could unleash wave of volcanic eruptions, study says.The Guardian.