Megadesastre no RS: o maior evento de deslizamentos já registrado no Brasil; ciência para reconstruir e prevenir
Chuvas de abril e maio de 2024 causaram 15.376 deslizamentos no Rio Grande do Sul. Força-tarefa de universidades e órgãos públicos mapeou cicatrizes, criou inventário aberto e orienta resgates, reconstrução e políticas de adaptação em áreas rurais.

Entre o fim de abril e o início de maio de 2024, o Rio Grande do Sul viveu um episódio de chuva fora da curva que transformou a paisagem e a rotina de milhões. Em poucos dias, rios transbordaram, encostas cederam e mais de 15 mil deslizamentos foram registrados, o maior evento do tipo no Brasil, com 2,4 milhões de pessoas atingidas e 183 mortes.
Para explicar o ocorrido e guiar a resposta, formou-se uma força-tarefa. A liderança veio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Instituto de Geociências) e do ENGAGE Research Group da Universidade de Viena, com apoio do Serviço Geológico do Brasil, de INMET, CEMADEN e ANA, além de parceiros de sensoriamento remoto (Maxar/WorldView, CBERS-4A, Planet/NICFI).
O que aconteceu
Entre 27 de abril e 13 de maio, um El Niño ainda ativo, a anomalia de calor no Atlântico e a atuação de um anticiclone mantiveram uma frente fria praticamente estacionária. Em nove dias, alguns municípios acumularam mais de 600 mm, algo como 15% a 20% de um ano inteiro, comprimidos em uma semana e pouco.

A geografia do estado fez o resto: na Escarpa do Planalto Meridional, onde o relevo é mais íngreme, taludes saturados romperam e os materiais migraram para áreas mais suaves, alimentando fluxos de detritos. Municípios com densidade de deslizamentos acima de 0,5 por km² tiveram, em média, mais de 400 mm no período crítico.
Como o inventário foi feito
Os pesquisadores compararam imagens pré e pós-evento e validaram cicatrizes em campo. Foram 474 cenas de alta resolução (0,35–2 m) combinadas com dados auxiliares (contornos, sombreamentos e hidrografia) para delinear rupturas e pontos de início. Os pontos de início foram marcados no bordo superior de cada cicatriz para distinguir falhas contíguas e garantir uma contagem mais fiel do número de movimentos.
Principais achados do mapeamento:
- 15.376 deslizamentos em ~18 mil km²; 16.862 pontos de início.
- Tamanhos entre 17 m² e 265.446 m²; 36 eventos acima de 100 mil m².
- Concentração nas bordas do planalto e em cidades como Caxias do Sul, Veranópolis e Santa Tereza.
- Base integrada por INMET, CEMADEN e ANA; imagens via NGA/DSG, INPE/CBERS e Planet/NICFI; produto aberto em WebMap e repositório.
O que isso muda para cidades e estradas
O padrão é claro: rupturas começam em encostas íngremes (média ~31°), muitas vezes na meia-encosta, e o fluxo segue para zonas côncavas, onde desacelera e deposita sedimentos. Curvaturas próximas de zero nos pontos de ruptura sugerem superfícies quase planas a levemente divergentes, úteis para delimitar faixas preferenciais de mobilização.
Fatores humanos e geológicos amplificam o risco: proximidade de rodovias (cortes e drenagens alteradas), contatos litológicos e fraturas que favorecem infiltração. Encostas voltadas para o norte, mais ensolaradas e frequentemente mais impactadas pela ocupação, apareceram com maior frequência entre os pontos de início. Isso traz lições diretas para traçados viários, loteamentos e contenções.
Também oferecem base para adaptação: preservar áreas de deposição, corrigir drenagens, limitar cortes agressivos em taludes e planejar obras e bairros respeitando o relevo. Vale ainda revisar códigos de obra, capacitar comunidades para sinais de instabilidade e organizar rotas de fuga. Aprender com 2024 é reduzir perdas no próximo extremo climático futuro.
Referência da notícia
The biggest landslide event in Brazil: preliminary analysis of the Rio Grande do Sul mega disaster in May 2024. 28 de agosto, 2025. Oliveira, C., et. al.