Lago Tefé perde 75% de sua área e botos ficam sem refúgio de água fria em seca extrema

Estudo na revista Science revela que o aquecimento acelerado dos lagos amazônicos ameaça ecossistemas e comunidades. Pesquisadores alertam que esses ambientes são “sentinelas das mudanças climáticas���.

Botos mortos no Lago de Tefé. (Foto: Miguel Monteiro/Instituto Mamirauá)
Boto morto no Lago de Tefé. Crédito: Miguel Monteiro/Instituto Mamirauá

Enquanto líderes mundiais se reúnem em Belém para o primeiro evento oficial da COP30, um novo estudo chama atenção para os efeitos devastadores das mudanças climáticas no coração da Amazônia. A pesquisa, publicada na revista Science por 42 cientistas, detalha como o Lago Tefé, no médio rio Solimões, encolheu 75% durante a seca extrema de 2023, reduzindo-se de 379 km² para apenas 95 km².

Essa transformação drástica converteu vastas áreas aquáticas em poças rasas com menos de meio metro de profundidade, provocando a morte de mais de 200 botos vermelhos e tucuxis entre setembro e outubro daquele ano. Esses animais, símbolos da Amazônia, morreram devido ao superaquecimento da água, que chegou a atingir 41°C — uma temperatura até 12°C acima da média registrada em lagos tropicais.

A seca extrema voltou a atingir a região em 2024, ainda mais severa, mas sem nova mortandade. O caso, no entanto, permanece como um alerta global sobre o colapso climático que ameaça tanto a fauna quanto as comunidades amazônicas dependentes da pesca e da navegação.

Lago sem refúgio térmico e temperaturas recordes

De acordo com o pesquisador Ayan Fleischmann, do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, o evento foi agravado porque, em 2023, “não existia refúgio de água fria” para os botos. Normalmente, camadas mais profundas mantêm temperaturas mais baixas, mas, durante a seca extrema, todo o corpo d’água aqueceu de forma homogênea.

Além do calor, fatores como baixa velocidade do vento, radiação solar intensa e maior turbidez da água contribuíram para o superaquecimento. O menor volume de água fez com que o calor fosse absorvido mais rapidamente, criando um ambiente letal para os mamíferos aquáticos.

Em resposta à crise, o Instituto Mamirauá, em parceria com o ICMBio e o Ibama, realizou uma operação inédita de resgate, deslocando botos que buscavam alimento na enseada de Papucu — uma área rica em peixes, mas com risco de morte por altas temperaturas.

Aquecimento acelerado e necessidade de monitoramento

O estudo também analisou dados de 24 lagos amazônicos entre 1990 e 2023, revelando que suas águas vêm aquecendo em média 0,6 °C por década, chegando a 0,8 °C em alguns locais. Segundo os autores, esse aumento coloca em risco a biodiversidade e o modo de vida das populações ribeirinhas.

Nível da água do lago de Tefé Imagem: Miguel Monteiro/Instituto Mamirauá… - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/colunas/carlos-madeiro/2023/09/29/morte-em-massa-de-botos-da-amazonia-choca-pesquisadores-sem-precedentes.htm?cmpid=copiaecola
Nível da água do lago de Tefé. Crédito: Miguel Monteiro/Instituto Mamirauá

A coordenadora do grupo de mamíferos aquáticos do Instituto Mamirauá, Miriam Marmontel, defende a criação de um sistema permanente de monitoramento ambiental, capaz de transformar os lagos amazônicos em “sentinelas eficazes das mudanças climáticas”.

Enquanto a COP30 discute políticas globais para conter o aquecimento do planeta, o caso do Lago Tefé oferece uma ilustração concreta e trágica do que já ocorre no bioma amazônico: um ecossistema em colapso diante de um clima cada vez mais extremo.

Referências da notícia

Folha de São Paulo. Lago Tefé encolheu 75% em seca extrema e botos amazônicos ficaram sem água fria para refúgio. 2025