Estudo revela civilização perdida e sofisticada na Amazônia boliviana
Mapeamento a laser identifica complexa rede de assentamentos, canais e pirâmides construídas por povos pré-colombianos nos Llanos de Moxos, desafiando antigas crenças sobre ocupação humana na Amazônia boliviana.

Por séculos, a Bacia Amazônica foi retratada como uma imensidão natural intocada, lar apenas de pequenas comunidades nômades. No entanto, um novo estudo vem transformando essa visão. Utilizando tecnologia de mapeamento a laser, cientistas identificaram vestígios de uma civilização altamente desenvolvida que prosperou nas savanas e pântanos da planície beniana, nas terras baixas da Bolívia.
A pesquisa, conduzida por arqueólogos bolivianos e alemães, revelou que, muito antes da invasão dos europeus, existiam na região vastos assentamentos interligados por complexos sistemas hidráulicos e estruturas monumentais. As descobertas desafiam a ideia de que o solo pobre e as frequentes inundações teriam impedido o florescimento de sociedades organizadas na Amazônia.
Entre os resultados mais impressionantes estão plataformas piramidais, centros cerimoniais e canais de irrigação que demonstram domínio ambiental e planejamento urbano avançado. Esses elementos revelam uma ocupação contínua entre os anos 600 e 1400 d.C., segundo análises de radiocarbono.
LiDAR: o laser que revelou o passado escondido
A chave para essa redescoberta foi o uso da tecnologia LiDAR (Light Detection and Ranging), que permite escanear grandes áreas a partir de aeronaves. O método emite pulsos de laser capazes de penetrar a densa cobertura vegetal, criando modelos tridimensionais detalhados do terreno.
O estudo ganhou impulso em 2021, com uma expedição multidisciplinar liderada pela arqueóloga Carla Jaimes Betancourt, da Universidade de Bonn. A equipe concentrou-se nos lagos Rogaguado e Ginebra, parte do sistema do Río Yata, reconhecido pela Unesco como zona úmida de importância internacional.
Vestígios de uma civilização adaptada à natureza
Sob o solo alagadiço, os pesquisadores encontraram restos de campos agrícolas elevados, cerâmicas e sistemas de irrigação sofisticados. Esses vestígios revelam um modo de vida que conciliava agricultura, pesca e caça de forma sustentável. A dieta dos antigos habitantes incluía milho, leguminosas, frutas de palmeiras, peixes como tucunarés e piramboias, além de animais como jacarés, tartarugas e pacas.

Para Betancourt, o segredo da longevidade dessa civilização estava na harmonia com o ambiente. “Em vez de dominar a natureza, os antigos habitantes do Amazonas trabalhavam com os ritmos do rio e aproveitavam as inundações sazonais”, afirmou a pesquisadora em artigo publicado na revista Frontiers in Environmental Archaeology.
Povos herdeiros e lições para o futuro
Atualmente, as comunidades cayubaba e movima continuam a viver nos Llanos de Moxos, preservando práticas agrícolas e conhecimentos transmitidos há séculos. Elas cultivam arroz, mandioca, banana e cana-de-açúcar, além de manter rebanhos e sistemas tradicionais de manejo do solo.
Para Betancourt, essas populações são guardiãs de uma herança biocultural que une diversidade ecológica e cultural. A arqueóloga ressalta que o estudo vai além da descoberta histórica — oferece lições valiosas de sustentabilidade.
“Numa era marcada pelo desmatamento, pela agricultura industrial e pelas mudanças climáticas, paisagens como Rogaguado e Ginebra nos mostram que é possível viver em equilíbrio com a natureza”, conclui.
Referências da notícia
DW. Estudo mapeia civilização perdida na Amazônia boliviana. 2025