Caos no espaço: aquecimento global pode desencadear síndrome de Kessler
A temida síndrome de Kessler, uma cascata de colisões espaciais, pode se tornar mais provável devido a um efeito indireto do aquecimento global: a desaceleração da "vassoura" atmosférica.

Quando se fala em mudanças climáticas, a conversa quase sempre gira em torno de ondas de calor, incêndios florestais, chuvas torrenciais, áreas costeiras que podem ficar submersas e plantações em perigo. No entanto, os efeitos desse fenômeno não se limitam ao solo em que pisamos. Um estudo publicado recentemente na revista Nature Sustainability descobriu algo inesperado: o aquecimento global também pode estar complicando o problema dos detritos espaciais.
Sim, embora possa parecer estranho, o que acontece na atmosfera também impacta o espaço.
O que as mudanças climáticas têm a ver com satélites?
Para entender isso, precisamos fazer uma pequena revisão. Nossa atmosfera não é uniforme. Ela é dividida em camadas, como as camadas de uma cebola. A camada mais baixa, a troposfera, é onde as nuvens se formam, chove, as frentes se formam e ocorrem os fenômenos meteorológicos que vemos todos os dias. Mais acima, a estratosfera abriga a camada de ozônio e, à medida que você sobe, a mesosfera aparece, seguida pela termosfera.
E é aí que começa a parte interessante. A termosfera começa a uma altitude de cerca de 80 quilômetros e se estende até 700 quilômetros. É um lugar onde as temperaturas podem ultrapassar 2.500°C, embora esse calor não seja sentido porque as partículas de ar estão tão distantes umas das outras que não conseguem transmitir sua energia aos objetos sólidos. Milhares de satélites e pedaços de lixo espacial flutuam naquela região, deixados em círculos após décadas de lançamentos.
Esto es lo que ven los #astronautas al ingresar de la exosfera a las capas inferiores de la #atmósfera hasta llegar a la superficie . #technology #Space #spacestation pic.twitter.com/qKQjUGmpoN
— Javier Feu (@javyfeu) August 13, 2019
Embora o espaço pareça infinito, a área ao redor da Terra — chamada órbita terrestre baixa, ou LEO — é bastante limitada. Lá, objetos viajando a dezenas de milhares de quilômetros por hora podem colidir uns com os outros, e já ocorreram incidentes que deixaram uma quantidade significativa de detritos flutuando.
Síndrome de Kessler: quando o lixo se torna um problema sério
Há algum tempo, especialistas alertam para a chamada síndrome de Kessler, um cenário em que colisões entre satélites e detritos espaciais geram mais detritos, que, por sua vez, causam mais colisões, numa reação em cadeia que pode tornar a órbita baixa inutilizável.
Felizmente, o próprio contato com a fina atmosfera da termosfera atua como uma espécie de "vassoura" espacial. Com o tempo, os objetos perdem velocidade e acabam caindo em direção à Terra, desintegrando-se nas camadas inferiores.
Mas aí vem o problema: as mudanças climáticas estão enfraquecendo essa 'vassoura'.
Isso porque o calor não sobe
O aquecimento global, causado pelos gases de efeito estufa, está prendendo mais calor nas camadas inferiores da atmosfera e, paradoxalmente, resfriando as camadas superiores, como a termosfera. Quando o ar esfria, ele se contrai. Assim, essa camada se torna mais fina e, como resultado, oferece menos resistência aerodinâmica aos objetos que entram no planeta. Isso significa que os detritos espaciais demoram muito mais para se desintegrar.

O estudo, liderado por pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e da Universidade de Birmingham, alerta que, embora a órbita baixa seja considerada uma região "autolimpante", esse processo está se tornando cada vez mais lento. E quanto mais lixo for deixado flutuando, maior o risco de desencadear uma reação do tipo Kessler.
A indústria espacial e a contradição verde
Como se isso não bastasse, a indústria espacial está enfrentando seu próprio dilema ambiental. Por um lado, as empresas de tecnologia estão competindo para lançar megaconstelações de satélites que oferecem internet global, mas ao mesmo tempo complicam as observações astronômicas e congestionam as órbitas. Por outro lado, muitas dessas mesmas empresas estão construindo enormes centros de dados para inteligência artificial, o que exige quantidades monstruosas de energia.
Resultado: as empresas que sonham em conquistar o espaço podem acabar contribuindo para sua saturação e, pior ainda, fechando as portas para si mesmas.
A ironia é que, se quiserem continuar lucrando com o negócio de satélites, primeiro terão que começar a proteger esse espaço. Não apenas com políticas de redução de carbono na Terra, mas também com melhores planos de gestão de resíduos orbitais.
Porque a mudança climática, está claro, não vai mais parar.
Referência da notícia
Greenhouse gases reduce the satellite carrying capacity of low Earth orbit. 10 de março, 2025. Parker, et al.