Vias ilegais avançam sobre áreas protegidas ao longo da BR-319 e ampliam pressão por desmatamento na Amazônia
Rede de pesquisadores aponta que mais de 3,5 mil km de estradas clandestinas se estendem por unidades de conservação e terras indígenas, acelerando desmatamento, garimpo e conflitos territoriais na região

As estradas ilegais que se espalham a partir da BR-319 têm ampliado a devastação em uma das regiões mais sensíveis da Amazônia. De acordo com levantamento do Observatório BR-319, ao menos 2.240 quilômetros de vias clandestinas já invadiram unidades de conservação federais. Outros 1.297 quilômetros cruzam terras indígenas, revelando o avanço contínuo de atividades irregulares dentro de áreas que deveriam estar sob proteção integral.
Os números fazem parte do estudo Abertura de Ramais e Estradas Clandestinas como Vetores de Desmatamento no Interflúvio Madeira-Purus, consolidado em agosto. A pesquisa aponta que essas estradas ilegais funcionam como corredores que impulsionam o desmatamento, a grilagem e a exploração mineral, ampliando a pressão sobre ecossistemas vulneráveis e comunidades tradicionais.
O geógrafo Heitor Pinheiro, pesquisador do comitê de monitoramento do Observatório, classifica o cenário como extremamente preocupante. Ele explica que as áreas onde a presença desses ramais é mais intensa também apresentam índices mais elevados de destruição florestal, como ocorre na Vila Realidade, em Humaitá (AM), onde conflitos socioambientais se tornaram recorrentes.
Impactos diretos sobre povos indígenas
Segundo o estudo, um dos pontos de maior concentração de ramais clandestinos fica nas proximidades do entroncamento de Humaitá, onde a BR-319 encontra a BR-230, a Transamazônica. Essa região apresenta extensos percursos abertos ilegalmente dentro da floresta, acompanhando o traçado da rodovia em municípios como Canutama, Manicoré e Tapauá.

O consultor ambiental Thiago Castelano, do povo Parintintin, relata que as estradas clandestinas já fazem parte do cotidiano em áreas indígenas. Morador da Aldeia Canavial, em Humaitá, ele afirma que os ramais permitem a entrada de madeireiros, garimpeiros e grileiros, acelerando o desmatamento e ampliando riscos para as comunidades. “Percebemos isso presencialmente e também por sensoriamento remoto”, afirma o consultor, que atua na Coiab.
Castelano lembra que o avanço se intensificou na última década e que a presença de tratores nessas vias ilegais tornou-se comum na região do Rio Ipixuna. A percepção coincide com os dados geoespaciais analisados por Pinheiro, que indicam forte expansão da fronteira agrícola no sul de Lábrea, onde ramais se sobrepõem a áreas próximas ao Acre e Rondônia.
Pressão minerária e ausência de governança
O estudo revela ainda que cerca de 4.130 quilômetros dos ramais mapeados estão localizados em áreas de interesse para a mineração. Para Pinheiro, a sobreposição entre estradas clandestinas e processos minerários reflete a fragilidade do controle estatal. Ele estima que 80% dos ramais coincidam com solicitações ativas de exploração mineral.
A abertura desses caminhos, sem licenciamento ambiental, transforma áreas antes isoladas em pontos acessíveis para atividades predatórias. O impacto, segundo o pesquisador, afeta diretamente o modo de vida de pelo menos 79 povoados indígenas e 42 unidades de conservação distribuídas ao longo da rodovia. Terras como Kaxarari, Jacareúba-Katawixi — que abriga indígenas isolados — e Tenharim Marmelos estão entre as mais pressionadas.
Governo reconhece desafios de fiscalização
Em resposta ao estudo, o Ministério dos Transportes afirmou que trabalha para fortalecer a governança territorial da BR-319 e reconhece que os desafios vão além da engenharia e dos licenciamentos ambientais. A Pasta informou manter ações conjuntas com o Ministério do Meio Ambiente, Ibama, Incra e Funai para conter os impactos socioambientais e ampliar o monitoramento dos acessos irregulares.
A Funai, por sua vez, destacou que monitora remotamente as terras indígenas da Amazônia Legal desde 2015. Embora a ferramenta permita detectar desmatamento, fogo e mudanças no uso do solo, ainda não identifica com precisão a abertura de estradas clandestinas. A Fundação afirmou que prepara mudanças metodológicas para detalhar melhor ramais e garimpos, visando aprimorar a fiscalização e a proteção dos territórios tradicionais.
Referências da notícia
Agência Brasil. Vias ilegais perto da BR-319 avançam em áreas protegidas na Amazônia. 2025