Surto de vírus letal interrompe soltura de ararinhas-azuis e ameaça projeto de conservação da espécie

Um surto de circovírus atingiu as ararinhas-azuis reintroduzidas na Bahia, forçando a suspensão da soltura de novas aves e colocando em risco o projeto de conservação.

ICMBio suspende soltura de ararinhas-azuis na Bahia após detecção de vírus grave e sem cura
ICMBio suspende soltura de ararinhas-azuis na Bahia após detecção de vírus grave e sem cura. Foto: Adobe Stock

Um surto de circovírus, vírus altamente contagioso e letal para psitacídeos, acendeu um alerta no sertão baiano. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) anunciou, em 1º de agosto, a suspensão imediata da soltura de um novo grupo de ararinhas-azuis em Curaçá, no norte do estado. A medida vem após a identificação dos primeiros casos da Doença do Bico e das Penas dos Psitacídeos (PBFD) em exemplares da espécie, reintroduzida na natureza há apenas três anos.

Segundo o ICMBio, esta é a primeira ocorrência da doença viral em animais silvestres no Brasil, o que torna a situação ainda mais preocupante. Apesar de não representar risco para humanos nem aves de criação como galinhas ou patos, o circovírus representa uma ameaça direta à sobrevivência das ararinhas, que já foram consideradas extintas na natureza por mais de duas décadas.

“Ainda não sabemos como as espécies nativas brasileiras reagirão ao vírus, pois nunca houve registro dessa doença em vida livre até agora”, informou o Instituto em nota.

Ações emergenciais para conter o avanço da doença

Diante da gravidade do cenário, a soltura prevista para julho foi suspensa por tempo indeterminado. Além disso, o ICMBio ordenou o recolhimento das ararinhas que já vivem soltas em Curaçá. Elas passarão por uma bateria de exames em ambientes isolados. Onze aves estavam livres na região desde o início do projeto de reintrodução.

Entre as ações imediatas estão:

  • Reforço de protocolos de biossegurança no criadouro e na área de soltura;

  • Isolamento de animais infectados em áreas internas até conclusão dos exames;

  • Descontaminação completa dos recintos, comedouros e ninhos.

Embora o número exato de aves infectadas ainda não tenha sido revelado, técnicos acreditam que os casos iniciais possam ter origem em aves contaminadas durante a fase de cativeiro, ou mesmo no contato com objetos manipulados por humanos.

O delicado ciclo de vida da ararinha-azul e os desafios de sua conservação

A ararinha-azul (Cyanopsitta spixii) é considerada uma das espécies mais emblemáticas da fauna brasileira. Originária da Caatinga baiana, foi declarada extinta na natureza em 2000. Graças a parcerias internacionais e a programas de reprodução em cativeiro, como o realizado na Alemanha, os primeiros indivíduos foram devolvidos ao habitat em 2022.

Essas aves são pequenas para os padrões de araras, medindo cerca de 55 cm e pesando aproximadamente 350 gramas. Vivem em bandos, são barulhentas, seletivas em sua dieta – que inclui sementes de pinhão e frutos nativos – e se reproduzem apenas entre novembro e maio, durante o período de chuvas em Curaçá.

O vírus, no entanto, pode interromper drasticamente esse ciclo. Em sua forma aguda, a PBFD provoca queda e deformação das penas, inflamação no bico e fraqueza nos ossos. Em aves adultas, os sintomas tornam-se crônicos e dolorosos, limitando a mobilidade e a capacidade de se alimentar. O tempo de vida, após os primeiros sinais, é estimado entre seis e doze meses.

Um estudo da University of Sydney, publicado no Journal of Avian Medicine and Surgery (2023), revelou que surtos de circovírus em papagaios australianos causaram declínios populacionais de até 70% em áreas isoladas. Embora as espécies envolvidas sejam diferentes, o impacto ambiental serve como alerta para as autoridades brasileiras.

Futuro incerto exige mais investimentos e vigilância

Enquanto a soltura de novos indivíduos está suspensa, especialistas defendem que o foco agora seja a manutenção da população viva, seja em cativeiro ou na natureza. O sucesso do programa depende de uma vigilância constante, testes regulares e investimentos em infraestrutura sanitária — especialmente em regiões remotas como o semiárido baiano.

O risco de extinção da espécie volta a se tornar real. Embora o projeto de reintrodução tenha sido considerado um marco na conservação brasileira, a fragilidade do ecossistema e a introdução de agentes patógenos colocam tudo em risco novamente.

A expectativa é que, com o controle do surto e um mapeamento detalhado da transmissão do vírus, a soltura das ararinhas possa ser retomada com mais segurança. Por ora, o canto azul da Caatinga silencia mais uma vez.

Referências da notícia

G1. ICMBio anuncia medidas emergenciais contra casos positivos de vírus grave e letal nas ararinhas-azuis da Bahia. 1º de agosto, 2025.

Journal of Avian Medicine and Surgery. Decline of wild parrot populations due to Beak and Feather Disease Virus: emerging risks in conservation reintroductions. 15 de março, 2023.