Fungos, vermes e vírus que "zumbificam" insetos: ciência tenta entender este estranho comportamento
No minúsculo mundo dos insetos, fungos, vermes, vespas e vírus agem como 'marionetistas', hackeando corpos e mentes. Entenda a "zumbificação" ao natural, após milhões de anos de evolução.

No mundo dos insetos, ser você mesmo é um luxo que a natureza nem sempre permite. Ao estilo kamikaze, um salto suicida no vazio evolutivo ocorre com frequência. Mas não se trata de loucura temporária ou caos aleatório; trata-se de controle e da perda do livre-arbítrio. Manipuladores em escala reduzida estrelando histórias que antes eram consideradas apenas ficção científica.
A série The Last of Us conseguiu retratar o horror de um mundo sucumbindo a um fungo que transforma humanos em criaturas sem vontade própria. Um terror ancestral que existe, embora em menor escala. Formigas, grilos e lagartas vivem — e morrem — sob o domínio de fungos, vermes e vírus.
Uma formiga, longe de sua colônia, sobe ao topo de uma planta, morde uma folha e permanece lá, paralisada, esperando a morte. Um grilo salta como um kamikaze na água para liberar uma minhoca após se afogar. Lagartas sobem aos locais mais expostos pouco antes de um vírus dissolvê-las por dentro. Cenas arrepiantes, porém reais.
Essa invasão biológica é mais comum do que imaginamos. Vírus, minhocas, fungos ou vespas — a lista de espécies 'zumbificadoras' fora da ficção é bastante longa e variada.
O incrível é que a ciência está apenas começando a entender os mecanismos por trás dessa' zumbificação' natural. Como um fungo consegue controlar os músculos sem afetar o cérebro? Quais sinais químicos apagam o livre-arbítrio de um inseto?
Mestres da zumbificação
Parasitas (ou parasitoides) podem assumir o controle do corpo de seus hospedeiros de maneiras que só seriam imaginadas na ficção científica. Esse fenômeno, chamado de fenótipo estendido, significa que os genes do parasita se "expressam" além do seu próprio organismo, manipulando o hospedeiro como se ele fosse uma extensão de si mesmo.
Um exemplo bem conhecido é o fungo Ophiocordyceps unilateralis, também conhecido como "fungo zumbi", encontrado predominantemente em ecossistemas de florestas tropicais. Esse fungo invade formigas carpinteiras e, por meio de mecanismos químicos e musculares, ordena que elas abandonem sua colônia, subam em uma planta e mordam com força uma nervura de folha.
Lá, elas morrem, paralisadas enquanto picam, transformando-se em cápsulas vivas. Essa técnica é conhecida como mordida ou aperto mortal. Dias depois, um talo brota do corpo e libera esporos cerca de 50 vezes mais finos que um fio de cabelo humano, mas capazes de infectar novas formigas.
Outros parasitas são ainda mais criativos, sem a necessidade de efeitos especiais. Vermes nematomórficos fazem com que grilos e gafanhotos pulem na água, de onde emergem para se reproduzir após o afogamento do hospedeiro. Os baculovírus, por sua vez, forçam as lagartas a subir aos pontos mais altos antes de liquefazerem seus corpos, espalhando milhões de partículas virais ao vento.
E não, não é ficção científica, é pura bioquímica. O Ophiocordyceps nem sempre invade o cérebro da formiga; muitas vezes, ele controla os músculos remotamente, liberando compostos paralisantes. Enquanto isso, os nematomorfos alteram neurotransmissores que afetam a percepção do ambiente pelo hospedeiro, e vírus invadem seus hormônios para manipular seus ciclos de atividade.
Ser ou não ser… um zumbi
Os parasitas se reproduzem reescrevendo a neuroquímica de suas vítimas. Por exemplo, muitos deles não introduzem novas substâncias em seus hospedeiros, mas manipulam a química já presente neles e a usam em seu benefício. Em outros casos, é quase como se os "drogasse", como é o caso das vespas-joia.
Muitos fatores influenciam quais espécies se tornam vítimas de um parasita específico. Por exemplo, a frequência com que o hospedeiro e o parasita se cruzam e a capacidade do parasita de invadir e sobreviver dentro do hospedeiro. Além disso, temperatura, umidade, precipitação e até mesmo a sombra das folhas determinam quando e onde.
Evolução e marionetistas naturais
A primeira evidência de uma relação parasitária vem do mar e tem 500 milhões de anos. Trata-se de restos de pequenos invertebrados chamados braquiópodes, que habitavam um oceano que ocupava o atual sul da China. Tubos mineralizados construídos por minúsculos vermes que provavelmente roubavam alimento de seus hospedeiros foram identificados em suas conchas.
E quando se trata de zumbificação natural, tudo tem sido tentativa e erro. Estratégias de controle podem ter evoluído independentemente pelo menos 223 vezes ao longo da história. Elas evoluíram para mecanismos muito precisos após milhões de anos de refinamento evolutivo.
Além de produzir calafrios, esses fenômenos têm uma função ecológica. Mantêm o equilíbrio das populações de insetos, dispersam nutrientes e fazem parte de uma complexa rede de interações naturais.
E os humanos? Os fungos não prosperam em corpos com altas temperaturas, como os dos mamíferos. Acredita-se que uma das razões pelas quais evoluímos com temperaturas corporais tão altas foi justamente para nos proteger de infecções fúngicas. Aparentemente, apesar de The Last of Us, os únicos que deveriam se preocupar são os insetos.
Referências da notícia
Macchi, F. 2025. Insectos zombi: la inquietante relación de ‘control mental’ entre bichos y parásitos. Nota periodística para El País.
Li, W.J.; Lee, Y.L.; Liu, S.L.; Lin, C.C.; Chung, T.Y. y Chou, J.Y. 2020. Evaluating the tradeoffs of a generalist parasitoid fungus, Ophiocordyceps unilateralis, on different sympatric ant hosts. Scientific Reports 10, 6428.