O café e o cacau não desaparecerão devido às mudanças climáticas, mas pagar por eles ficará cada vez mais caro

Embora esses grãos cobiçados não sejam extintos, as mudanças climáticas e os desafios logísticos podem fazer com que desfrutar de seus produtos seja um luxo inatingível para muitos.

café e chocolate
Em dezembro de 2024, o preço do cacau ultrapassou US$ 10 o quilo, 30% a mais que no mês anterior. O café arábica, por sua vez, teve alta de 13% no mesmo mês.

Uma manhã sem uma xícara de café é simplesmente impensável para algumas pessoas. O mesmo vale para um pedaço de chocolate que levanta seu ânimo depois de um longo dia. São pequenos prazeres cotidianos que parecem garantidos. Mas e se o preço começar a subir tanto que eles não fiquem mais tão acessíveis?

Isto não é exagero da mídia; é uma tendência documentada em relatórios recentes do Banco Mundial e da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

As mudanças climáticas, somadas às tensões logísticas e geopolíticas, estão alterando profundamente a produção e os mercados globais de café e cacau.

O clima, a primeira peça do dominó

Cacau e café não são quaisquer produtos: eles dependem de climas muito específicos.

Chuvas excessivas, secas prolongadas e calor extremo estão afetando diretamente a produtividade na África Ocidental, um importante produtor de cacau, e em países produtores de café como Brasil, Vietnã e Indonésia.

De acordo com o Banco Mundial, a produção global de cacau caiu 14% na temporada 2023-2024, principalmente devido às colheitas menores na Costa do Marfim e em Gana, que respondem por quase 60% do fornecimento global.

Enquanto isso, o café arábica está enfrentando escassez significativa no Brasil, e o robusta tem sofrido com a seca no Vietnã.

"As mudanças climáticas estão afetando a produção de café a longo prazo", alertou Boubaker Ben-Belhassen, diretor da Divisão de Mercados e Comércio da FAO, em nota publicada pelo El Impulso.

Quem perde com esse aumento de preços?

Quando ouvimos que o preço do café ou do cacau está “nas alturas”, podemos pensar que os agricultores estão comemorando. Mas a realidade é diferente.

A maioria dos que cultivam essas culturas não são grandes empresas, mas sim pequenos agricultores que vivem do dia a dia e dependem quase exclusivamente do que colhem.

Dados do Banco Mundial indicam que em países como Etiópia e Burundi, o café representa mais de 30% da receita de exportação.

No entanto, muitos agricultores continuam na corda bamba: eles precisam lidar com secas, pragas, preços instáveis e, além disso, não recebem o valor integral que pagamos por uma xícara de café na cafeteria.

Cacau
Entre o produtor e o consumidor existe toda uma cadeia de intermediários que ficam com grande parte do valor.

Por outro lado, não são apenas os produtores que estão em apuros. Em países que dependem de importações — como grande parte da América Latina, África e Ásia — o aumento dos preços pode significar que uma família tenha que escolher entre produtos de café ou cacau e outros alimentos básicos.

Uma trégua temporária, mas a incerteza persiste

Algumas projeções do Banco Mundial sugerem uma possível melhora na oferta para a temporada 2024-2025.

Entretanto, embora se espere que os preços caiam neste ano e em 2026, a ameaça de eventos climáticos adversos nas principais regiões produtoras continua sendo um risco latente.

Como aponta a FAO, os sistemas globais de produção são vulneráveis a eventos climáticos extremos, tensões geopolíticas e mudanças regulatórias que podem alterar o equilíbrio entre oferta e demanda. Diante desse cenário, o investimento em inovação se torna crucial.

"Preços altos devem fornecer incentivos para investir mais em tecnologia e pesquisa e desenvolvimento no setor de café para aumentar a resiliência climática" - Boubaker Ben-Belhassen, Diretor da Divisão de Mercados e Comércio da FAO.

Embora possa parecer contraditório, esta crise de preços pode abrir caminho para sistemas alimentares mais resilientes e conscientes da sua fragilidade face às mudanças climáticas.

Café e chocolate continuarão existindo, pelo menos por enquanto. Mas se quisermos que eles continuem fazendo parte do nosso dia a dia, teremos que olhar além da embalagem brilhante e pensar em mais do que apenas o aroma rico de uma xícara fumegante.

Referências da notícia

El cacao, el café y el té elevan el costo mundial de las importaciones de alimentos para los países más acomodados. 2024. Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura.

Los precios del cacao y el café repuntan frente a nuevas preocupaciones relacionadas con la oferta. 07 de janeiro, 2025. John Baffes e Kaltrina Temaj.

Estudio ONU/FAO: El cambio climático dispara el precio del café un 40%. 17 de março, 2025. Juan Bautista Salas.