Grandes petrolíferas intensificaram 213 ondas de calor mortais neste século, revela estudo histórico

Uma análise científica inovadora demonstra pela primeira vez que 180 empresas produtoras de combustíveis fósseis contribuíram diretamente para o agravamento de centenas de ondas de calor que causaram milhares de mortes.

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Um estudo recente demonstrou a responsabilidade de grandes empresas petrolíferas na intensificação de mais de 200 ondas de calor mortais.

Um estudo histórico publicado esta semana indica que as mudanças climáticas aumentaram a probabilidade de ondas de calor de 20 a 200 vezes entre a primeira e a segunda décadas estudadas. A informação é do autor principal, Yann Quilcaille, pesquisador climático do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETH Zürich). Esse aumento assustador revela uma aceleração sem precedentes na intensificação de eventos de calor extremo diretamente ligados a emissões de empresas específicas.

As 14 maiores empresas, incluindo a antiga União Soviética, a República Popular da China para o carvão, a Saudi Aramco, a Gazprom, a ExxonMobil, a Chevron, a BP e a Shell, geraram tantas emissões quanto as outras 166 entidades combinadas, contribuindo individualmente para mais de 50 ondas de calor que teriam sido impossíveis sem as mudanças climáticas.

O estudo analisou 213 ondas de calor ocorridas entre 2000 e 2023, incluindo a onda de calor de 2018 em Quebec e a de 2021 na Colúmbia Britânica. Os pesquisadores também analisaram as emissões das 180 maiores empresas produtoras de combustíveis fósseis e de cimento do mundo para calcular como elas contribuíram para as mudanças nas temperaturas médias globais, conforme relatado pelo site Earth.Org. A pesquisa, publicada na prestigiosa revista Nature, estabelece conexões causais diretas entre empresas específicas e eventos climáticos extremos que tiraram milhares de vidas.

Dos eventos de calor extremo em que os pesquisadores estudaram, até um quarto teriam sido "praticamente impossíveis" sem a poluição climática de qualquer uma das 14 maiores "grandes emissoras de carbono", os maiores produtores de combustíveis fósseis e cimento, responsáveis pela maior parte da poluição global de carbono. Esta revelação científica representa um marco na atribuição de responsabilidade climática a nível empresarial.

A ciência desvenda a ligação entre empresas e calor extremo

Os resultados do estudo vão além de simples correlações estatísticas. O trabalho constatou que, em comparação com o clima pré-revolução industrial, as mudanças climáticas aumentaram a intensidade média das ondas de calor em 1,68°C entre 2010 e 2019, dos quais 0,47 °C se deveram apenas aos 14 principais produtores de carbono. Essa quantificação precisa permite identificar a "pegada térmica" de cada empresa no sistema climático global.

A metodologia empregada pelos pesquisadores representa um avanço revolucionário na ciência da atribuição climática. Eles ampliaram a análise para quantificar as contribuições dos gigantes do carbono para essas 213 ondas de calor. Coletivamente, esses produtores de combustíveis fósseis e cimento são responsáveis pela maioria das emissões antropogênicas equivalentes de dióxido de carbono (CO2) entre 1850 e 2023. A equipe utilizou modelos climáticos avançados que excluíram as emissões de gigantes do carbono individuais para destacar o impacto de cada ator na temperatura média global.

Os poluidores examinados no estudo incluem empresas de capital aberto e estatais, bem como diversos países onde dados nacionais sobre a produção de combustíveis fósseis estavam disponíveis. Coletivamente, esses produtores são responsáveis por 57% de todo o CO2 emitido entre 1850 e 2023. Essa concentração de responsabilidade em relativamente poucas entidades reforça a viabilidade de ações judiciais direcionadas e políticas de responsabilização corporativa.

Implicações legais e futuro climático

As implicações jurídicas dessas descobertas podem transformar o cenário de litígios climáticos em todo o mundo. Globalmente, dezenas de ações judiciais foram movidas contra empresas de combustíveis fósseis por ativistas climáticos, governos estaduais dos EUA e outros que buscam responsabilizá-las por seu papel nas mudanças climáticas. Por exemplo, Vermont e Nova York aprovaram leis que buscam responsabilizar as empresas de combustíveis fósseis por suas emissões e pelos danos que causam.

Cada onda de calor recebe uma categoria com base em sua variação de intensidade (cor) e razão de probabilidade (barras verticais em porcentagem) em relação ao período de 1850 a 1900. Nas Figuras a–c, os eventos são categorizados de acordo com o ano em que ocorreram: 78 ondas de calor atribuídas ao período de 2000 a 2009 (a), 54 ondas de calor atribuídas ao período de 2010 a 2019 (b) e 81 ondas de calor atribuídas ao período de 2020 a 2023 (c).

Em 2023, o Condado de Multnomah, no Oregon (EUA), entrou com uma ação judicial contra grandes empresas de combustíveis fósseis, diversas de suas associações comerciais e a consultoria McKinsey & Company, buscando recuperar mais de US$ 50 bilhões em danos e custos de adaptação. E em 29 de maio deste ano, a família de uma mulher do estado de Washington (EUA), que morreu durante o fenômeno de onda de calor, entrou com um processo por homicídio culposo contra a ExxonMobil e várias outras grandes empresas petrolíferas. Esses precedentes legais ganham novo vigor com evidências científicas que agora vinculam empresas específicas a eventos climáticos fatais.

Cassidy DiPaola, porta-voz da campanha "Make Polluters Pay" ('Faça os Poluidores Pagarem'), disse: "Agora podemos apontar para ondas de calor específicas e dizer: 'A Saudi Aramco fez isso. A ExxonMobil fez isso. A Shell fez isso'. Quando as emissões dessas empresas, sozinhas, estão desencadeando ondas de calor que não teriam acontecido de outra forma, estamos falando de pessoas reais morrendo, colheitas reais falhando e comunidades reais sofrendo, tudo por causa de decisões tomadas em salas de reuniões corporativas".

O futuro da pesquisa sobre atribuição climática também parece promissor para a responsabilização. Os pesquisadores agora querem investigar sistematicamente outros eventos extremos, como chuvas intensas, secas ou incêndios florestais, para rastrear esses eventos até as contribuições de 'atores' individuais, fornecendo assim informações científicas que podem ser utilizadas por tomadores de decisão. Essa expansão metodológica poderia estabelecer uma estrutura científica abrangente para a responsabilização climática corporativa em diversos tipos de desastres naturais.

Referência da notícia

Systematic attribution of heatwaves to the emissions of carbon majors. 10 de setembro, 2025. Quilcaille, et al.