Canadá vive uma temporada inédita de incêndios

Excecional temporada de incêndios no Canadá já queimou quase duas vezes o tamanho de Portugal. A extrema atividade de incêndios causou destruição, dezenas de vítimas e obrigou à evacuação de milhares de pessoas.

incêndios; Canadá
O Canadá viu arder 18 milhões de hectares do seu território num único ano.

Pela primeira vez na sua história, quase todos os canadianos foram afetados pela época de incêndios deste ano, quer diretamente, quer porque tiveram de lidar com o fumo destes, que viajou milhares de quilómetros, poluindo repetidamente o ar em toda a América do Norte e chegando até à Europa.

Nunca antes se havia registrado tanta terra queimada no mais extenso país da América do Norte. Os mais de 6.500 incêndios provocaram cerca de 18 milhões de hectares de área ardida, praticamente duas vezes a área de Portugal Continental.

Embora o Canadá sofra incêndios todos os verões, os incêndios deste ano arrasaram o país, o que fazem deste um ano inédito, excecional em relação à média dos últimos 10 anos, que se situa nos 2.7 milhões de hectares. O anterior máximo situava-se em pouco mais de 7 milhões de hectares, registados em 1995.

“Quebramos todos os recordes à escala canadiana. Nunca antes visto. Excecional em escala e duração e com enormes consequências a longo prazo” - Yan Boulanger, investigador do Ministério dos Recursos Naturais do país.

Os incêndios florestais no Canadá duram há mais de cinco meses. De acordo com o Canadian Interagency Forest Fire Centre (CIFFC) os incêndios continuam a não dar tréguas, estando ativos mais de sete centenas por todo o país, 345 deles descontrolados.

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No Quebec, duramente atingido e menos habituado que o ocidente a incêndios de grandes dimensões, o choque é imenso. Acabaram-se as folhas nos ramos, agora os troncos enegrecidos e as raízes carbonizadas marcam a paisagem.

Na floresta de abetos de Abitibi-Temiscamingue, a visão é desoladora. Até onde a vista alcança só se vê o negro do queimado. Apenas alguns tufos de musgo conseguiram resistir ao ataque dos incêndios que começaram em junho.

Esta área faz parte de um vasto anel verde que circunda o Ártico, estendendo-se do Canadá, passando pelo Alasca, Sibéria e norte da Europa, para formar a maior extensão de vida selvagem do mundo.

“Se continuarmos com a tendência atual de incêndios, até 2100, um terço da floresta boreal do Quebec será perdida” - Maxence Martin, professor de ecologia florestal na Universidade de Quebec.

Os incêndios que ali aconteceram foram alimentados por condições mais quentes e secas, que o atual período de desregulação climática tem vindo a acelerar. E ao libertarem gases com efeito de estufa na atmosfera, estes incêndios, contribuem para o aquecimento global, num ciclo vicioso.

Outra particularidade desta floresta do norte é a de que liberta 10 a 20 vezes mais carbono por unidade de área queimada do que outros ecossistemas. Isso ajudou as emissões do Canadá a atingir níveis sem precedentes.

As emissões de carbono geradas pelos incêndios atingiram as 473 megatoneladas (milhões de toneladas) em todo o país, quase 3,5 vezes o recorde anterior registado no ano de 2014, onde se conheceu a libertação de 138 megatoneladas de carbono para a atmosfera.

Na floresta boreal há um outro dado preocupante, uma vez que devido à espessura do húmus no solo, os incêndios podem continuar a arder durante meses, o que dificulta a recuperação.

O drama vivido na pele

Vários pequenos povoados canadianos foram afetados, como é o caso Lebel-sur-Quevillon, com pouco mais de 2.000 habitantes e que teve de ser evacuada por duas vezes este ano.

As casas foram salvas graças ao lago próximo que impediu o avanço do fogo. Mas este ano, o verão foi interrompido, nenhuma criança terminou o ano letivo e centenas de pequenos chalés construídos na floresta para fins de semana e férias foram destruídos.

“Quando explicamos às pessoas que os incêndios só serão realmente extintos com a neve, todos ficam ansiosos pela chegada do inverno” - Guy Lafreniere, presidente do município de Lebel-sur-Quevillon.

Hoje a cidade é cercada por aceiros, construídos durante os incêndios. Um anel de coníferas, altamente inflamáveis, foi derrubado.

Nesta região remota, a silvicultura é a principal indústria, sustentando cidades inteiras, como é o caso de Lebel-sur-Quevillon, com os 60.000 empregos diretos e indiretos ligados a esta atividade. Mas como tanto a indústria o fizera, agora também os incêndios florestais remodelaram significativamente a paisagem. Como recuperará este território?