Brasil lidera número de povos isolados, mas há lacunas na proteção
Embora concentre o maior número de povos indígenas isolados do mundo, o Brasil enfrenta entraves institucionais, demora no reconhecimento oficial e pressões econômicas crescentes que ampliam riscos a esses grupos.

O Brasil é o país com o maior número de povos indígenas isolados do planeta, segundo dados da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Ao todo, o órgão registra 115 referências de povos que vivem sem contato permanente com a sociedade envolvente. No entanto, apenas 29 desses grupos são oficialmente reconhecidos pelo Estado brasileiro.
Os outros 86 registros, equivalentes a cerca de 75% do total, permanecem em fase de validação ou em etapas iniciais de análise. Essa diferença entre o que está documentado pela Funai e o que é oficialmente confirmado gera preocupação entre especialistas e organizações indigenistas.
Para o antropólogo Fábio Ribeiro, coordenador executivo do Observatório de Povos Indígenas Isolados (OPI), trata-se de um “passivo gigantesco” do Estado brasileiro. Segundo ele, a falta de reconhecimento formal compromete diretamente a proteção dos territórios onde esses povos vivem.
Proteção depende de confirmação oficial
De acordo com Ribeiro, as políticas públicas de proteção só avançam quando o Estado consegue reunir provas suficientes da existência de povos isolados em determinada área. A partir disso, tornam-se possíveis medidas como a instalação de bases de vigilância, sobrevoos de monitoramento e ações integradas com outros órgãos, como a Secretaria de Saúde Indígena (Sesai).
O coordenador-geral de Povos Isolados e de Recente Contato da Funai, Marco Aurélio Milken Tosta, reconhece a existência desse passivo institucional. Segundo ele, limitações estruturais e de pessoal dificultam o avanço simultâneo de todos os processos em análise.
Divergências sobre vulnerabilidade
Apesar disso, Milken discorda da avaliação de que a ausência de confirmação torne automaticamente os povos mais vulneráveis. Ele afirma que muitos registros, mesmo não confirmados, já estão inseridos em áreas protegidas, como terras indígenas, unidades de conservação ou zonas com restrição de uso.
Segundo o dirigente, quando há projetos de exploração ou empreendimentos que possam impactar esses territórios, os registros existentes já garantem um nível mínimo de proteção. Ainda assim, especialistas apontam que a eficácia dessas salvaguardas varia conforme o contexto regional.
O Vale do Javari, no Amazonas, concentra a maior quantidade de povos isolados confirmados no país. No entanto, Fábio Ribeiro alerta que os grupos mais vulneráveis estão fora dessas grandes áreas contínuas de floresta, especialmente no chamado Arco do Desmatamento.
Pressões crescentes e desafios estruturais
Nessas regiões, os territórios indígenas estão fragmentados e cercados por estradas, fazendas, mineração e cidades. Um exemplo é a Terra Indígena Ituna-Itatá, no Pará, que mesmo com restrição de uso sofreu intensa invasão e desmatamento nos últimos anos.
A pressão tende a aumentar com o avanço da exploração de recursos naturais. Um levantamento da EBC aponta que 80% dos registros de povos isolados confirmados ou em estudo estão cercados por pedidos de mineração de terras raras e minerais críticos.
Milken destaca que a Funai precisa estar fortalecida para enfrentar esses desafios. Atualmente, o órgão conta com 12 equipes de campo, mas nem todos os profissionais estão preparados para atuar em expedições longas e complexas em áreas de floresta.
O reconhecimento da existência desses povos é um processo delicado, baseado em vestígios como roças, malocas, trilhas e ferramentas, já que o princípio é o do não contato. Para especialistas, fortalecer a Funai e acelerar os processos de validação é essencial para garantir a sobrevivência desses grupos.
Referências da notícia
Agência Brasil. Brasil lidera número de povos isolados, mas há lacunas na proteção. 2025