Amazônia: arqueólogos e povos indígenas revelam cidades milenares escondidas sob a floresta

Em parceria inédita, arqueólogos e povos kuikuro usam tecnologia Lidar e drones para mapear mais de 20 cidades antigas no Xingu, fortalecendo memória ancestral, autonomia indígena e proteção territorial.

Indígena preparando o equipamento de drone para decolar (Evilene Paixão/HAY)
Indígena preparando o equipamento de drone para decolar. Crédito: Evilene Paixão/HAY

No Território Indígena do Xingu, arqueólogos e o povo kuikuro acumulam três décadas de uma parceria que vem mudando a forma de compreender a história da Amazônia. O trabalho conjunto já permitiu mapear mais de 20 cidades de até 1.500 anos em uma área de 1.200 km², equivalente ao município do Rio de Janeiro.

Viola Kuikuro, 25, é um dos jovens que encarnam essa nova fase da pesquisa. Sobrevoando a floresta ao redor da aldeia Ipatsé com um drone, ele integra o projeto Vozes da Amazônia, financiado pelo CNPq, que capacita indígenas em tecnologias de sensoriamento remoto.

A aldeia, situada em uma faixa de transição entre floresta e cerrado no Alto Xingu, está cercada por dezenas de sítios arqueológicos descobertos ao longo dos últimos 30 anos. Para a arqueóloga Helena Lima, líder do projeto, “tudo aqui tem história”, e essa história só pode ser revelada ao se ouvir os kuikuros.

Tecnologia que revela cidades perdidas

Com drones equipados com sensores Lidar — capazes de emitir pulsos de laser que escaneiam o solo sob a vegetação — pesquisadores têm mapeado estruturas até então invisíveis: estradas, praças circulares, valas defensivas e marcas de antigas aldeias. A tecnologia vem revolucionando a arqueologia em florestas tropicais.

Indígenas monitorando a área mapeada pelo drone (Evilene Paixão/HAY)
Indígenas monitorando a área mapeada pelo drone. Crédito: Evilene Paixão/HAY

Nos kuikuros, a pesquisa não avança sem a orientação das tradições orais. Locais mencionados pelos mais velhos guiam as expedições em busca de sítios desconhecidos. “Temos muita história e muito lugar ainda para estudar”, afirma o professor e líder local Sepé Kuikuro.

A colaboração começou nos anos 1990, quando o arqueólogo Michael Heckenberger, em parceria com o cacique Afukaká Kuikuro, iniciou escavações guiadas pelos relatos dos moradores. Em 2003, ambos assinaram um artigo na revista Science demonstrando que grandes cidades-floresta existiam no Alto Xingu entre 500 d.C. e 1770 d.C.

Reconhecimento, autonomia e futuro indígena na pesquisa

Essas cidades, segundo estimativas, chegaram a abrigar ao menos 50 mil habitantes em seu auge. O modelo urbano, semelhante ao das aldeias atuais, incluía praças circulares e amplas redes de estradas. As descobertas mudaram a visão sobre o potencial da Amazônia para sustentar sociedades complexas.

Para o cacique Afukaká, a arqueologia colaborativa tem papel central no reconhecimento da história de seu povo. “A pesquisa fez com que os brancos acreditassem em nós”, afirma. Além de artigos científicos, o trabalho gerou uma base digital de dados arqueológicos controlada pelos próprios kuikuros.

Com bolsas de estudo e treinamentos, jovens como Viola Kuikuro e Mutuá Mehinaku — este último já mestre em arqueologia — veem na ciência uma ferramenta de afirmação política e cultural. O objetivo, dizem, é assumir a liderança das pesquisas em suas terras e fortalecer a proteção de seus territórios para as próximas gerações.

Referências da notícia

Revista Cenarium. Indígenas Kuikuro usam drones para mapear cidades ancestrais no Xingu. 2025