Ações extremas: o uso de cobertores para salvar as geleiras

Em busca de salvar as geleiras ou ao menos retardar o derretimento do gelo em montanhas, ações extremas estão sendo realizadas como o uso de cobertores gigantes, canhões de neve por gravidade e rochas pintadas. Será que vai funcionar?

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Cultivo de neve em Diavolezza: A neve está coberta com cobertores brancos contra o derretimento, Suíça

Imagine metade das geleiras do mundo desaparecendo, um cenário catastrófico para a sobrevivência da humanidade. Consequências como inundações históricas e escassez de água potável seriam a nova realidade, algo que nem está tão distante assim do que já vivemos, porém, em menores proporções e intensidades. Novas pesquisas descobriram que mesmo mantendo o "melhor cenário" com um aumento da temperatura global em 1,5 grau Celsius em relação aos níveis pré-industriais até 2100, muitas geleiras vão desaparecer.

Na tentativa de contornar o derretimento do gelo, pistolas de neve artificial foram usadas no inverno de 2021-2022 em Diavolezza, uma cordilheira de 3 mil metros de altura localizada nas montanhas Engadina Superior da Suíça com nove pistas de esqui, um teleférico e vistas de alguns dos picos mais altos dos Alpes. A preocupação não era apenas manter um local propício para visitação, mas também salvar o desaparecimento da geleira Morteratsch, logo a oeste, sendo um complexo de geleiras de 16 quilômetros quadrados que atrai desde turistas até cientistas.

Existem regiões que são mais vulneráveis ao aquecimento global, como por exemplo, os Alpes Suíços, em que as temperaturas estão subindo duas vezes mais rápido que a média do Hemisfério Norte. Por conta disso, as geleiras já perderam 60% de seu volume desde 1850. A pior perda já registrada nas geleiras suíças foi de 6% em apenas um ano, e isso aconteceu em 2022, o que deixou as pessoas chocadas, inclusive os glaciologistas, segundo relatos do pesquisador Christian Huggel da Universidade de Zurique.

Ações extremas e ideias dramáticas para salvar as geleiras

Segundo especialistas, a forma de reduzir o derretimento das geleiras é reduzir as emissões de gases do efeito estufa, mas essa solução é muito vaga uma vez que depende de muitas partes. Pensando nisso, um professor suíço teve a ideia de erguer escudos gigantes para proteger o gelo dos ventos catabáticos (fluxos de ar densos e de alta altitude que podem esfregar a neve e o gelo). Nos Andes, inclusive, os pesquisadores propuseram rochas caiadas para refletir o aquecimento do sol.

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Sob a cobertura da geleira Rhone, cerca de quatro metros a menos de gelo derreteu em um ano do que na área descoberta em primeiro plano. Crédito: Matthias Huss

Ações extremas e ideias dramáticas não surgiram agora, já são décadas tentando manter as montanhas com seus picos gelados. Em 1947, moradores ao redor da geleira Aletsch, na Suíça, espalhavam serragem no teto de uma caverna de gelo criada para turistas para protegê-la da radiação solar.

De 1990 para cá, algumas estações de esqui nas geleiras espalharam cobertores brancos gigantes feitos de camadas de plástico e material semelhante a lã que isolam a radiação solar, mas permitem a penetração da água. Atualmente, já são nove locais na Suíça que usam essas mantas que cobrem de 10 mil a 50 mil metros quadrados.

Essas coberturas geotêxteis podem reduzir o derretimeto do gelo em até 70%, e inclusive há uma estimativa de que o uso desses cobertores por sete anos na geleira Rhône, no sul da Suíça, tenha preservado cerca de 35 metros de espessura do gelo - diz o glaciologista Matthias Huss, da Universidade de Friburgo.

Apesar de parecer uma ideia incrível para sombrear algumas partes importantes de uma lucrativa área de esqui, o que talvez valeria o custo, é um projeto que nunca foi concebido como uma forma de salvar as geleiras em si, isso porque se os geotêxteis fossem usados nas mil maiores geleiras da Suíça, eles poderiam até evitar dois terços da perda média de volume anual, mas custariam cerca de US$ 1,52 bilhão por ano.

Fabricação de neve para salvar o gelo

Outra tentativa para salvar as geleiras seria a fabricação de neve, pois seja natural ou feito pelo homem, a refletividade alta da neve tem capacidade de refletir potencialmente a radiação do sol em direção ao céu, evitando assim, o derretimento da superfície gelada.

Porém, fabricar neve também não é algo tão simples e justificável, pois para produzir apenas três metros cúbicos de neve é necessária uma energia muito grande, como a que uma família suíça consumiria o dia inteiro, o que emitiria muito carbono.

Por outro lado, pensando nessa redução de carbono, a indústria de fabricação de neve criou um novo sistema alimentado por elevação em vez de eletricidade. Para que funcione, a água da chuva, neve, gelo derretido ou outras fontes entra no sistema 200 metros ou mais acima de onde a neve é necessária. A água fornece o líquido para a própria neve artificial, e a energia gravitacional fornece pressão de água suficiente - 20 bar, ou cerca de 290 psi - para operar as armas, que se parecem com chuveiros que pulverizam a neve.

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O projeto de fabricação de neve, se aplicado em Morteratsch, poderia não só retardar o recuo da geleira, como também reverter essa tendência. A implementação do projeto, no entanto, segundo Huss, poderia causar perturbações ambientais, uma vez que capturar a água derretida para fazer neve implicaria bloquear uma depressão natural na geleira para atuar como um reservatório com uma parede de concreto de 31 metros de altura e 650 metros de comprimento.

Um túnel de 900 metros seria cavado do reservatório até o sistema de neve abaixo. A fabricação de neve em si exigiria oito cabos diferentes, de 850 a 1.200 metros de comprimento, espalhados pela paisagem. É como se fosse um canteiro de obras gigante ameaçando um ambiente intocado pelo homem para tentar salvar um elemento: o gelo.