Crise do chocolate? Fungo da monilíase ameaça lavouras de cacau brasileiras
A monilíase, doença causada pelo fungo Moniliophthora roreri, já bateu à porta do Acre e pode destruir até 80 % da safra de cacau, desencadeando uma possível crise do chocolate se não for contida rapidamente.

O perfume adocicado do chocolate, presente em festas de aniversário, cafés da manhã e lembranças de infância, pode ganhar um gosto amargo. Uma nova praga, a chamada monilíase do cacaueiro, ronda as fronteiras do País e acende o sinal vermelho entre produtores, consumidores e amantes de cacau.
Já devastou plantações no Peru e na Colômbia e foi detectado pela primeira vez em território brasileiro, no Acre, em 2021, obrigando o Ministério da Agricultura a decretar quarentena no estado. Especialistas calculam que a doença pode arruinar até 80 % da produção de frutos se se espalhar sem controle, sinalizando riscos econômicos e sociais de grandes proporções.
O inimigo que apodrece vagens
O fungo invade exclusivamente os frutos: não mata a árvore, mas transforma a casca em tapete branco de esporos e inutiliza a amêndoa. Um único campo contaminado torna-se foco de esporulação capaz de viajar quilômetros com o vento ou nas solas de botas.
Como reconhecer o ataque?
- Lesões aquosas que evoluem para manchas marrons na casca do cacau
- Cobertura fina de pó branco, milhões de esporos prontos para a próxima infecção
- Odor ácido na polpa, sinal de fermentação precoce
- Frutos mumificados pendurados na árvore, já sem valor comercial
A praga avança silenciosa: por não afetar folhas ou flores, o produtor só percebe o estrago semanas depois, quando abre a vagem e encontra grãos deformados.
Do Peru ao Acre: a rota silenciosa do patógeno
Desde a primeira ocorrência documentada no Equador, em 1917, o M. roreri espalhou-se pela bacia amazônica, aproveitando rotas fluviais e estradas recém-abertas. No início de 2025, o patógeno já era endêmico em treze países produtores do cinturão cacaueiro andino e centro-americano, somando perdas bilionárias e abandono de áreas inteiras.

A chegada ao Brasil ocorreu em Cruzeiro do Sul (AC): um jardim urbano serviu de porta de entrada, obrigando fiscais a cortar árvores e instalar barreiras sanitárias. Desde então, equipes estaduais monitoram focos suspeitos em portos clandestinos e estradas amazônicas. O temor é que esporos alcancem plantações comerciais do Pará, da Bahia e do Espírito Santo, núcleos de quase 200 mil famílias que dependem do cacau para viver.
Entre barreiras e chocolate artesanal: desafios para o Brasil
O Brasil ocupa hoje o posto de quinto maior produtor mundial de cacau, mas ainda importa parte da matéria-prima para atender indústrias de chocolate. Manter essa posição exige um escudo fitossanitário robusto. Técnicos defendem ampliar a vigilância integrada, treinando agricultores a reconhecer sintomas no campo e exigindo certificados de origem para mudas e frutos.
Ao mesmo tempo, a ameaça estimula oportunidades: pesquisadores da CEPLAC e universidades trabalham no desenvolvimento de clones tolerantes, enquanto pequenas fábricas bean-to-bar buscam diversificar cultivares para elevar resiliência genética.
Programas de crédito focados em manejo agroflorestal, que mistura cacau com essências nativas, podem reduzir a pressão de doença e abrir nichos de mercado sustentável para o “chocolate de origem” brasileiro. Se o País conseguir bloquear a monilíase antes que avance, protegerá não só a economia amazônica e baiana, mas também o ritual cotidiano de morder um bom pedaço de chocolate.