Crise do chocolate? Fungo da monilíase ameaça lavouras de cacau brasileiras

A monilíase, doença causada pelo fungo Moniliophthora roreri, já bateu à porta do Acre e pode destruir até 80 % da safra de cacau, desencadeando uma possível crise do chocolate se não for contida rapidamente.

cacau, chocolate
Frutos de cacau (Theobroma cacao), base de uma cadeia que sustenta mais de 200 mil famílias brasileiras e alimenta um mercado global de chocolate avaliado em bilhões de dólares.

O perfume adocicado do chocolate, presente em festas de aniversário, cafés da manhã e lembranças de infância, pode ganhar um gosto amargo. Uma nova praga, a chamada monilíase do cacaueiro, ronda as fronteiras do País e acende o sinal vermelho entre produtores, consumidores e amantes de cacau.

O agente é o fungo Moniliophthora roreri, parente distante da “vassoura-de-bruxa” que dizimou lavouras baianas nos anos 1990.

Já devastou plantações no Peru e na Colômbia e foi detectado pela primeira vez em território brasileiro, no Acre, em 2021, obrigando o Ministério da Agricultura a decretar quarentena no estado. Especialistas calculam que a doença pode arruinar até 80 % da produção de frutos se se espalhar sem controle, sinalizando riscos econômicos e sociais de grandes proporções.

O inimigo que apodrece vagens

O fungo invade exclusivamente os frutos: não mata a árvore, mas transforma a casca em tapete branco de esporos e inutiliza a amêndoa. Um único campo contaminado torna-se foco de esporulação capaz de viajar quilômetros com o vento ou nas solas de botas.

Como reconhecer o ataque?

  • Lesões aquosas que evoluem para manchas marrons na casca do cacau
  • Cobertura fina de pó branco, milhões de esporos prontos para a próxima infecção
  • Odor ácido na polpa, sinal de fermentação precoce
  • Frutos mumificados pendurados na árvore, já sem valor comercial

A praga avança silenciosa: por não afetar folhas ou flores, o produtor só percebe o estrago semanas depois, quando abre a vagem e encontra grãos deformados.

Do Peru ao Acre: a rota silenciosa do patógeno

Desde a primeira ocorrência documentada no Equador, em 1917, o M. roreri espalhou-se pela bacia amazônica, aproveitando rotas fluviais e estradas recém-abertas. No início de 2025, o patógeno já era endêmico em treze países produtores do cinturão cacaueiro andino e centro-americano, somando perdas bilionárias e abandono de áreas inteiras.

chocolate, vigilância
Vigilância fitossanitária contínua nos cacauais, inspeções de frutos, quarentenas e barreiras sanitárias impedem a entrada de pragas como a monilíase, protegendo a produção nacional de chocolate.

A chegada ao Brasil ocorreu em Cruzeiro do Sul (AC): um jardim urbano serviu de porta de entrada, obrigando fiscais a cortar árvores e instalar barreiras sanitárias. Desde então, equipes estaduais monitoram focos suspeitos em portos clandestinos e estradas amazônicas. O temor é que esporos alcancem plantações comerciais do Pará, da Bahia e do Espírito Santo, núcleos de quase 200 mil famílias que dependem do cacau para viver.

Entre barreiras e chocolate artesanal: desafios para o Brasil

O Brasil ocupa hoje o posto de quinto maior produtor mundial de cacau, mas ainda importa parte da matéria-prima para atender indústrias de chocolate. Manter essa posição exige um escudo fitossanitário robusto. Técnicos defendem ampliar a vigilância integrada, treinando agricultores a reconhecer sintomas no campo e exigindo certificados de origem para mudas e frutos.

Também propõem restrições temporárias ao trânsito de ferramentas agrícolas vindas de áreas de risco.

Ao mesmo tempo, a ameaça estimula oportunidades: pesquisadores da CEPLAC e universidades trabalham no desenvolvimento de clones tolerantes, enquanto pequenas fábricas bean-to-bar buscam diversificar cultivares para elevar resiliência genética.

Programas de crédito focados em manejo agroflorestal, que mistura cacau com essências nativas, podem reduzir a pressão de doença e abrir nichos de mercado sustentável para o “chocolate de origem” brasileiro. Se o País conseguir bloquear a monilíase antes que avance, protegerá não só a economia amazônica e baiana, mas também o ritual cotidiano de morder um bom pedaço de chocolate.