Cana: seca histórica encolhe a safra e pressiona açúcar e etanol

Seca prolongada, calor fora de época e incêndios em canaviais do Centro-Sul derrubam a safra 2025/26, elevam o risco de alta em açúcar e etanol e colocam o futuro da cana no Brasil em amplo debate nacional.

Seca, cana, São Paulo
A cana-de-açúcar é altamente produtiva, mas também sente os impactos de secas mais frequentes.

Quem olha de longe ainda vê vastos canaviais verdes no Centro-Sul. Mas, de perto, a cena muda: falhas no meio da lavoura, colmos mais finos, folhas queimadas pelo sol e talhões que “não fecharam” como em outros anos.

Depois de um 2024 marcado por falta de chuva em momentos-chave, calor fora de época e até incêndios em áreas de cana, a safra 2025/26 chegou com um peso extra nos ombros.

Dados mais recentes da Conab mostram que, mesmo com aumento de área plantada, a produção brasileira de cana na safra 2025/26 deve cair para cerca de 666,4 milhões de toneladas, queda de 1,6% em relação ao ciclo anterior. A área estimada subiu 2,4%, mas a produtividade média recuou 3,8%, reflexo direto da chamada “restrição hídrica” no Centro-Sul.

Sudeste, Matopiba
Em anos de seca, a cana-de-açúcar responde com menor crescimento e perda de açúcar nos colmos.

No Sudeste, a colheita deve ser 4,4% menor, e São Paulo, maior produtor do país, deve colher 18,2 milhões de toneladas a menos, principalmente por causa da seca, do calor e dos incêndios que prejudicaram a rebrota.

Uma safra menor em plena expansão de área

À primeira vista, os números parecem contraditórios: como é possível plantar mais e colher menos? A explicação está no clima. Entre 2024 e o início de 2025, o Centro-Sul enfrentou uma combinação perversa de chuvas mal distribuídas, ondas de calor e queimadas em canaviais, especialmente em regiões paulistas e do Centro-Oeste.

Em muitos casos, a cana sofreu no momento em que mais precisava de água para rebrotar ou alongar os colmos, comprometendo o rendimento por hectare.

Na prática, o país caminha para uma safra importante em volume, mas aquém do potencial. Em 2024/25, o Brasil colheu cerca de 676,9 milhões de toneladas; agora, com área maior, deve produzir menos. Em São Paulo, o recuo de 18,2 milhões de toneladas é emblemático: mostra que, mesmo numa cultura considerada rústica e resistente, há um limite para a falta de água e o estresse térmico.

Quando até a cana sente sede no campo

No dia a dia das usinas e dos fornecedores, a seca não aparece só em gráficos. Ela está no talhão que não fecha, no caminhão que chega carregado com menos toneladas por hectare e no ATR que recua frente ao ano anterior.

Entre os sinais mais comentados por quem vive o canavial, estão:

  • Queda de produtividade em boa parte do Centro-Sul, com recuos superiores a 8% no acumulado da safra em alguns polos.
  • ATR menor, indicando cana menos “doce” e exigindo mais tonelada para fazer o mesmo volume de açúcar.
  • Rebrota comprometida em áreas atingidas por fogo e seca, o que obriga a antecipar o fim de cortes e aumenta o custo de renovação de lavoura.
  • Descompasso de maturação entre talhões, com cana que “parou de crescer” no auge da falta de água.
CONAB, cana
Menos cana no campo significa menos etanol nas usinas e mais pressão sobre os preços dos combustíveis.

No bolso, agricultores e usinas sentem o aperto: menos tonelada por hectare significa custo maior por saca de açúcar ou litro de etanol. Para o consumidor, a conta pode aparecer em forma de pressão de preços, especialmente se o mercado internacional continuar apertado para o açúcar ou se houver necessidade de importar mais combustível em algum momento do ciclo.

E se a seca virar rotina?

A grande pergunta que paira sobre o setor não é apenas “por que a safra 2025/26 encolheu?”, mas “o que acontece se secas assim se repetirem?”. Projeções de consultorias e empresas de análise mostram que, sob condições climáticas mais próximas da normalidade, a moagem do Centro-Sul poderia voltar a crescer em 2026/27, retomando patamares acima de 620 milhões de toneladas só na região.

Por isso, muita gente já trabalha com o cenário de que “anos fáceis” serão a exceção. A resposta passa por várias frentes: desenvolvimento de variedades mais tolerantes à seca, expansão de sistemas de irrigação de salvamento em áreas estratégicas, manejo de solo que ajude a reter água, melhoria de previsão climática para planejar o corte e até maior integração com o etanol de milho, que pode aliviar parte da pressão em anos ruins para a cana.

Referência da notícia

Restrição hídrica impacta produção de cana estimada em 666,4 milhões de toneladas na safra 2025/26. 4 de novembro, 2025. CONAB.