Pesquisadores brasileiros criam mel com sabor de chocolate a partir de casca de cacau

Usando mel de abelhas nativas sem ferrão e resíduos da produção de chocolate, cientistas desenvolveram um produto nutritivo, sustentável e versátil, com potencial para uso nas indústrias alimentícia e cosmética.

Um dos méis testados foi o da mandaçaia (Melipona quadrifasciata). Crédito: Lucas Rubio/iNaturalist
Um dos méis testados foi o da mandaçaia (Melipona quadrifasciata). Crédito: Lucas Rubio/iNaturalist

Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) criaram um mel com sabor e propriedades do chocolate, produzido a partir da casca da amêndoa do cacau — um subproduto geralmente descartado na fabricação de chocolates e derivados. O estudo, publicado na revista ACS Sustainable Chemistry & Engineering, destacou o potencial nutricional e comercial da inovação.

O novo produto é resultado da combinação entre o mel de abelhas nativas sem ferrão e a casca do cacau. O mel foi usado como solvente natural para extrair compostos bioativos como teobromina e cafeína, conhecidos por seus efeitos estimulantes e benefícios à saúde cardiovascular.

Durante o processo, os pesquisadores utilizaram uma técnica de extração assistida por ultrassom, que aumentou a concentração de compostos fenólicos no mel, responsáveis por propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias. Segundo os cientistas, dependendo da proporção dos ingredientes, o resultado apresenta um sabor marcante de chocolate.

Sustentabilidade e biodiversidade brasileira

Além de agregar valor nutricional, o estudo também valoriza a biodiversidade local. Foram testados méis de cinco espécies de abelhas nativas brasileiras — borá, jataí, mandaçaia, mandaguari e moça-branca. Esses méis possuem maior teor de água e menor viscosidade que o da abelha-europeia (Apis mellifera), o que os torna mais adequados como solventes naturais.

O mel da espécie mandaguari foi inicialmente usado para otimizar o processo, mas os pesquisadores destacam que a técnica pode ser adaptada a outros tipos de mel disponíveis regionalmente. Isso abre espaço para a aplicação do método em diferentes regiões e cooperativas que já trabalham com mel e cacau.

Felipe Sanchez Bragagnolo, autor principal do estudo e pós-doutorando na Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA-Unicamp), ressalta o potencial econômico do produto. “O apelo do sabor é forte, mas o diferencial está nos compostos bioativos, que o tornam interessante tanto para a alimentação quanto para a cosmética”, afirma.

Tecnologia verde e aplicações futuras

O processo de extração por ultrassom — que utiliza ondas sonoras para liberar compostos bioativos — é considerado uma técnica de “química verde”, por ser eficiente, rápida e ambientalmente amigável. Avaliações de sustentabilidade feitas com o software Path2Green mostraram que o produto atendeu a diversos princípios da química verde, obtendo alta pontuação.

De acordo com o coordenador do estudo, professor Mauricio Ariel Rostagno, o método pode ser implementado em pequenas indústrias ou cooperativas. “Com esse equipamento, é possível transformar resíduos do cacau e do mel em um produto de alto valor agregado, inclusive para a gastronomia premium”, destaca.

Os próximos passos da pesquisa incluem avaliar o impacto do ultrassom sobre a microbiologia do mel. Os cientistas suspeitam que o processo possa eliminar microrganismos naturalmente presentes, aumentando a durabilidade e a segurança do produto. Também estão previstos novos experimentos com outros resíduos vegetais, reforçando o potencial sustentável da inovação.

Referências da notícia

Agência Fapesp. Grupo cria mel ‘sabor chocolate’ usando casca da amêndoa do cacau. 2025

ACS Sustainable Chemistry & Engineering. Stingless bee honeys as natural and edible extraction solvents: an intensified approach to cocoa bean shell valorization. 2025