Descoberta do caos atmosférico: quando o bater de asas de uma borboleta no Brasil pode desencadear um tornado no Texas

O meteorologista americano Edward N. Lorenz (1917-2008) descobriu por acaso a natureza caótica da atmosfera e o efeito borboleta, que impõe uma restrição à previsão do tempo a longo prazo.

Vórtices de Von Kármán
Vórtices de Von Kármán gerados a sotavento das Ilhas Canárias. Imagem capturada pelo satélite Sentinel-3 em 19 de abril de 2021. Crédito: © Copernicus

A dinâmica incessante das nuvens no céu, com sua aparência em constante mudança, sugere que a atmosfera é um sistema caótico, o que dificulta a previsão de sua evolução futura à medida que ampliamos o horizonte de previsão.

Esse fato foi demonstrado por acaso pelo matemático e meteorologista americano Edward N. Lorenz (1917-2008) no início da década de 1960, em um dos exemplos mais famosos de serendipidade (descoberta por acaso) na história da ciência.

O comportamento de sistemas não lineares, como os sistemas atmosféricos ou climáticos, já intrigava os cientistas no século17. Equações diferenciais lineares podiam ser resolvidas sem dificuldade, mas as não lineares eram impossíveis de resolver. Um dos desafios matemáticos da época era o problema dos três corpos, aplicado a três planetas do sistema solar, que se mostrou insolúvel.

O problema foi abordado com sucesso no final do século 19 pelo matemático e físico francês Henri Poincaré (1854-1912), que lançou luz considerável sobre o comportamento de sistemas não lineares.

Uma descoberta inesperada

Edward Lorenz foi professor no prestigiado Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), onde trabalhou durante a maior parte de sua vida. No início de sua carreira, atuou como meteorologista da Força Aérea dos EUA durante a Segunda Guerra Mundial, um aspecto pouco conhecido de sua vida. Após ingressar no MIT, interessou-se pelo comportamento dos fluidos atmosféricos.

Edward N. Lorenz
O matemático e meteorologista Edward N. Lorenz (1917-2008) criou um sistema de equações não lineares para um modelo meteorológico que revelou o comportamento caótico da atmosfera. Fonte: Wikipédia.

Em 1961, Lorenz estava em seu laboratório no MIT aprimorando um modelo hidrodinâmico que havia desenvolvido. Ele estava executando simulações em um computador da época: um Royal McBee LGP 130. Um dia, após obter um resultado satisfatório, ele decidiu repetir os cálculos com os mesmos dados iniciais que havia usado em uma execução anterior.

Ele deixou o computador ligado e foi tomar um café. Quando voltou, a nova simulação já havia sido executada, mas ao compará-la com a que fizera dias antes, descobriu que não tinha nada a ver uma com a outra.

Divergência das evoluções
Figura incluída em um dos artigos publicados por Edward N. Lorenz no início da década de 1960. Os dois gráficos começam a evoluir a partir de um ponto inicial muito semelhante, mas depois de um tempo começam a divergir, como consequência do comportamento caótico do sistema.

Surpreso com isso, ele começou a se perguntar o que havia acontecido e, após muita reflexão, percebeu que havia inserido dados iniciais ligeiramente diferentes, em algumas das últimas casas decimais, que seu computador havia levado em consideração ao realizar os cálculos.

Isso fez com que as soluções evoluíssem de maneira muito diferente em cada caso. Nas palavras do próprio Lorenz: "A sensibilidade das condições iniciais em sistemas dinâmicos não lineares (como a atmosfera) é responsável pela aparente aleatoriedade nos processos observados".

O efeito borboleta

O conceito de caos não é fácil de compreender, pois parece ser aleatório, mas não o é. Se a evolução atmosférica fosse aleatória, seria impossível prever o tempo, mas temos a capacidade de antecipar estados atmosféricos futuros, embora o comportamento caótico imponha um limite à nossa capacidade de previsão.

Todos os possíveis estados atmosféricos futuros estão distribuídos aleatoriamente dentro de uma estrutura geométrica chamada atrator de Lorenz, portanto, podemos dizer que temos a capacidade de delimitar a incerteza.

Atrator de Lorenz
Representação gráfica do atrator de Lorenz. Crédito: Paul Bourke.

A não linearidade (o comportamento mais comum na natureza) faz com que pequenas flutuações em uma parte do sistema se transformem em mudanças desproporcionais ao longo do tempo, um fenômeno conhecido como 'efeito borboleta'.

Embora o meteorologista seja creditado por usar a borboleta para ilustrar como uma pequena perturbação em uma área da atmosfera pode se propagar por toda ela e causar uma mudança em grande escala em um local distante, Lorenz na verdade tinha inicialmente uma gaivota em mente.

Uma década após sua descoberta no MIT, ele foi convidado a dar uma palestra na 139ª Reunião da Associação Americana para o Avanço da Ciência, e sua palestra tinha o título: “Previsibilidade: o bater de asas de uma borboleta no Brasil pode causar um tornado no Texas?” Curiosamente, esse título sugestivo não ocorreu a Lorenz, mas foi um dos organizadores da Reunião que introduziu a borboleta como gancho, embora a ideia conceitual possa ser atribuída ao meteorologista.