Descarte de resíduos têxteis no Brasil revela desafio ambiental e falta de gestão adequada

Setor responde por até 8% das emissões globais de gases de efeito estufa, mas ainda carece de políticas públicas e conscientização no país.

A quantidade de resíduos gerados no processo produtivo é muito alta, em torno de 15% a 20% do processo de corte é descartado como resíduo no departamento de corte – Foto: Divulgação SMDET/Prefeitura de São Paulo
A quantidade de resíduos gerados no processo produtivo é muito alta, em torno de 15% a 20% do processo de corte é descartado como resíduo no departamento de corte – Crédito: Divulgação SMDET/Prefeitura de São Paulo

O setor têxtil é responsável por até 8% das emissões de gases de efeito estufa no mundo, segundo dados da consultoria internacional S2F Partners. No Brasil, o cenário é especialmente preocupante: cerca de 4 milhões de peças de roupas e calçados são descartadas anualmente nos domicílios, o que equivale a aproximadamente 44 quilos por residência ao ano. Apesar desse volume expressivo, o país ainda não conta com uma política eficaz de gestão para os resíduos têxteis.

Francisca Dantas Mendes, professora da USP e coordenadora do Núcleo de Apoio à Pesquisa sobre Sustentabilidade no Setor Têxtil e Moda (NAP-Sustexmoda), explica que o descarte ocorre tanto no consumo doméstico quanto na própria cadeia de produção. "De 15% a 20% do material é descartado já no corte. São pedaços que não se encaixam nos moldes, como cavas, decotes e aparas", relata.

Um dos principais entraves para o reaproveitamento desses resíduos é a composição mista dos tecidos — como algodão com poliéster ou elastano —, o que dificulta processos circulares como a desfibragem para criação de novos fios. “É mais fácil comprar tecido novo do que reaproveitar o usado. Além disso, falta consciência sobre o impacto ambiental desses resíduos”, afirma Francisca.

Produção rápida e informalidade agravam problema

A informalidade do setor e a pressão por baixo custo e produção rápida também agravam a situação. Muitas empresas não se preocupam em reutilizar os materiais, preferindo o descarte direto, sem desenvolver subprodutos ou alternativas sustentáveis.

Brasil não conta com uma gestão de resíduos, embora conte com um descarte de cerca de 4 milhões de materiais oriundos do setor têxtil
Brasil não conta com uma gestão de resíduos, embora conte com um descarte de cerca de 4 milhões de materiais oriundos do setor têxtil. Crédito: Divulgação G1

A ausência de responsabilização legal contribui para o problema. Embora a Política Nacional de Resíduos Sólidos, de 2010, tenha incluído os resíduos têxteis apenas em 2022, ainda não há uma cobrança efetiva sobre o setor. “Há um jogo de empurra: confecções apontam para as tecelagens, que por sua vez responsabilizam os fabricantes de fibra, e ninguém se vê responsável”, destaca a pesquisadora.

A falta de políticas públicas, aliada à estrutura industrial desorganizada, cria um ambiente de invisibilização dos impactos ambientais do setor. A complexidade dos processos de reaproveitamento e a ausência de incentivos reforçam o cenário de descuido ambiental.

Soluções existem, mas dependem de apoio

Enquanto isso, na Europa, a realidade é diferente. A prática de upcycling é comum e bem estruturada: roupas pós-consumo são higienizadas e redistribuídas ou transformadas em novos produtos. Brechós e a compra de peças de segunda mão fazem parte da cultura local.

No Brasil, o NAP-Sustexmoda desenvolve pesquisas com alternativas de reaproveitamento, como a produção de mantas para enchimento, patchwork e novos tecidos. Para a professora, é possível reduzir drasticamente o envio desses resíduos aos aterros, mas isso exige políticas públicas, investimento e mudança cultural.

Segundo Francisca Mendes, “há sim possibilidades reais de chegarmos ao resíduo zero em aterros, desde que o reaproveitamento seja incentivado e a cadeia produtiva passe a assumir suas responsabilidades”.

Referência da notícia

Jornal da USP. Resíduos têxteis são responsáveis por até 8% das emissões de gases de efeito estufa em todo o mundo. 2025