Como os raios surgem? A ciência revela um mistério em cadeia

Um novo estudo sugere que os raios começam com uma avalanche de elétrons acelerados nas nuvens, desencadeada por partículas cósmicas. E também explica os flashes gama invisíveis detectados antes do relâmpago.

raio
O mistério dos raios está resolvido: raios cósmicos liberam avalanches de elétrons e iluminam o céu.

Durante séculos, os raios foram um dos fenômenos naturais mais espetaculares e enigmáticos da Terra. Desde as primeiras observações científicas até as modernas câmeras de alta velocidade, a origem dos raios permaneceu envolta em mistério.

Um elétron vindo do espaço pode ser a faísca que provoca um raio na Terra.

Agora, um novo estudo publicado na revista Journal of Geophysical Research: Atmospheres, liderado por Victor Pasko, professor de engenharia elétrica na Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação da Universidade Estadual da Pensilvânia, oferece uma resposta que parece mais ficção científica do que meteorologia: os raios podem começar com uma inundação de elétrons relativísticos desencadeada por raios cósmicos.

Um disparo do cosmos

O mais surpreendente sobre o novo modelo é que ele sugere que um raio pode começar com algo tão pequeno quanto um único elétron. Esse elétron "semente" pode vir de um raio cósmico, aquelas partículas de alta energia que viajam pelo espaço e atingem constantemente nossa atmosfera.

Quando este pequeno viajante espacial entra em uma nuvem com o campo elétrico adequado, ele ganha velocidade e colide com moléculas de ar. Esse impacto produz radiação na forma de raios X e fótons gama, além de liberar mais elétrons para se juntar à equipe. Este é o início do que os cientistas chamam de Avalanche de Elétrons Relativística (RREA).

Um pequeno elétron cósmico pode desencadear, em microssegundos, uma avalanche invisível capaz de liberar um raio.

O processo é como um efeito dominó ultrarrápido: em microssegundos, milhões de elétrons percorrem a nuvem, gerando uma explosão de energia que pode se transformar em um raio visível — ou não.

O que não sabíamos antes

A teoria das avalanches de elétrons não é inteiramente nova, mas este trabalho fornece uma descrição quantitativa detalhada do fenômeno pela primeira vez. Usando simulações de alta precisão, a equipe conseguiu demonstrar como os campos elétricos da nuvem podem acelerar elétrons a velocidades próximas à da luz.

Ao longo do caminho, esses elétrons emitem radiação gama e desencadeiam um efeito fotoelétrico: mais elétrons são liberados, amplificando a reação em cadeia.

raios, relâmpago
Um flash de raios gama bem alto pode ser a faísca invisível que inicia um raio visível vários quilômetros abaixo.

Este modelo também ajuda a resolver outro mistério: os raios gama terrestres (TGFs), rajadas de radiação altamente energética detectadas em tempestades, que às vezes ocorrem sem raios visíveis ou trovões audíveis.

De acordo com esta pesquisa, a cascata de elétrons pode ocorrer em uma área muito localizada da nuvem, gerando radiação, mas sem produzir a clássica descarga repentina. É o que alguns meteorologistas chamam de 'tempestades fantasmas'.

Raios invisíveis... mas poderosos

Um dos aspectos mais impressionantes dessa teoria é que ela explica por que parte da atividade elétrica de uma tempestade pode passar completamente despercebida a olho nu. Imagine que acima da sua cabeça, a vários quilômetros de altura, uma reação elétrica capaz de gerar radiação gama está ocorrendo... e você não consegue ver absolutamente nada.

Mesmo que não haja relâmpagos, a energia está lá. Isso abre caminho para novas linhas de pesquisa para entender como esses processos podem afetar aviões, satélites ou até mesmo as telecomunicações.

Entender precisamente como e quando os raios caem pode melhorar as previsões meteorológicas e os alertas de tempestades severas.

Imagine ser capaz de detectar as condições exatas quando um raio "invisível" está prestes a cair e fornecer um alerta antecipado para quem trabalha ou viaja em áreas de risco. Isso também poderia aprimorar modelos climáticos e ferramentas de monitoramento, como sensores de raios já em operação em terra e em satélites.

Além disso, essa descoberta conecta o clima do nosso planeta com processos que ocorrem em escala cósmica. Um elétron nascido a anos-luz de distância pode ser a faísca que desencadeia um raio em uma tempestade em algum lugar na Terra.

Então, da próxima vez que você ouvir um trovão ou ver um relâmpago cruzar o céu, considere que talvez tudo tenha começado com um minúsculo elétron viajando das profundezas do cosmos. E que, graças à ciência, estamos chegando mais perto de compreender todas as etapas dessa espetacular reação em cadeia.

Referências da notícia

Science Daily. Los científicos finalmente resuelven el misterio de qué desencadena los rayos.

Journal of Geophysical Research. El efecto fotoeléctrico en el aire explica la iniciación de los rayos y los destellos de rayos gamma terrestres.