Universo é assimétrico? Pesquisadores questionam a simetria do Universo

A simetria do Universo é um dos pilares da Cosmologia e pesquisadores estão em dúvida se realmente vivemos em um mundo simétrico.

O Universo pode ter uma assimetria que mudaria completamente a forma como vemos e entendemos a Cosmologia. Crédito: NASA/JWST
O Universo pode ter uma assimetria que mudaria completamente a forma como vemos e entendemos a Cosmologia. Crédito: NASA/JWST

A simetria é um dos pilares fundamentais da cosmologia moderna porque em grandes escalas, o Universo parece homogêneo e isotrópico. Em outras palavras, o Universo apresenta as mesmas propriedades estatísticas independentemente da posição ou da direção do observador. Essa ideia sustenta o modelo padrão da cosmologia chamado de ΛCDM que é apoiado por diferentes observações.

Apesar do modelo padrão ser bem sucedido, há algumas tensões observacionais que tem levantado questões sobre como vemos e entendemos o Universo. Um exemplo é a tensão de Hubble que é a discrepância entre o valor da constante de expansão do Universo medido com diferentes métodos. Outras anomalias estatísticas em grandes levantamentos cosmológicos têm motivado pesquisadores a reconsiderar hipóteses básicas, incluindo possíveis quebras de isotropia.

Um novo trabalho publicado na Reviews of Modern Physics discute a possibilidade de o Universo não ser perfeitamente simétrico em grandes escalas. O artigo analisa evidências observacionais e teóricas relacionadas à chamada anomalia do dipolo cósmico, uma anomalia direcional observada em diferentes conjuntos de dados. Se confirmado como um efeito cosmológico real, esse dipolo pode indicar uma quebra da isotropia que afeta como entendemos o Universo.

Simetria do Universo

O Universo é descrito, principalmente, pela relatividade geral de Einstein que mostra como o espaço-tempo se comporta. O espaço-tempo em grandes escalas é descrita pela métrica de Friedmann-Lemaître-Robertson-Walker (FLRW) que é uma solução das equações da relatividade geral. No entanto, essa métrica assume homogeneidade e isotropia e implica que o Universo, quando observado em grandes escalas, é estatisticamente igual em todos os pontos e direções.

A isotropia do Universo permite que sua dinâmica seja descrita por poucos parâmetros globais, como o fator de escala, a densidade de matéria, a energia escura e a curvatura espacial.

Por causa disso, essa hipótese de simetria é um dos pilares do modelo ΛCDM, pois simplifica a complexidade do Universo e explica as observações atuais. Medidas do fundo cósmico de micro-ondas, da distribuição de galáxias e das oscilações acústicas bariônicas mostram um Universo como descrito por FLRW. O sucesso do modelo padrão indica que a descrição simétrica da relatividade geral é uma boa aproximação para entender a evolução do Universo desde o Big Bang até os dias atuais.

Anomalia do dipolo cósmico

No entanto, o modelo ΛCDM possui algumas questões sendo a mais famosa a tensão de Hubble que as medições não convergem para diferentes métodos de observação. Outro problema é a anomalia do dipolo cósmico que argumenta que há uma assimetria em grande escala no Universo. Análises de levantamentos de observações em rádio sugerem a presença de um dipolo na distribuição da matéria e da radiação.

Essa assimetria estaria alinhada como uma assimetria encontrada nas observações da radiação cósmica de fundo. Juntas, a anomalia do dipolo cósmico e a tensão de Hubble levantam questionamentos sobre o princípio cosmológico que assume homogeneidade e isotropia. Esses indícios têm motivado o desenvolvimento de modelos cosmológicos além do ΛCDM, incluindo cenários anisotrópicos.

E se o Universo for assimétrico?

Considerando o princípio cosmológico, é possível ter uma solução para as equações de Einstein baseada em um único fator de escala dependente do tempo, que define observáveis como o parâmetro de Hubble e o redshift cosmológico. No entanto, com o surgimento de catálogos quase completos do céu, contendo milhões de galáxias e quasares, tornou-se possível testar diretamente essa suposição de simetria em escalas cosmológicas, algo que antes era apenas assumido.

A radiação cósmica de fundo em microondas é uma das observações mais importantes para entender a dinâmica do Universo. Crédito: ESA
A radiação cósmica de fundo em microondas é uma das observações mais importantes para entender a dinâmica do Universo. Crédito: ESA

Novos dados revelaram uma anomalia no dipolo da distribuição de matéria em grande escala e embora a direção coincida com a do dipolo da radiação cósmica de funda, sua amplitude é grande demais para ser explicada apenas por efeitos explicados na solução FLRW. Essa discrepância sugere duas possibilidades profundas: ou o referencial no qual a matéria parece isotrópica não é o mesmo em que a radiação é isotrópica, ou existe uma anisotropia real no Universo.

Reescrevendo a Cosmologia

Em ambos os casos, o resultado coloca em dúvida um dos pilares da cosmologia padrão e indica que o ΛCDM pode não ser uma descrição completa do Universo. Apesar da alta significância estatística, uma possível quebra do princípio cosmológico é uma alegação extremamente forte. Confirmar que o Universo não é homogêneo e isotrópico em grandes escalas exigirá conjuntos de dados ainda mais detalhados.

Catálogos futuros, cobrindo múltiplos comprimentos de onda e com maior uniformidade no céu, serão essenciais para verificar se a anomalia do dipolo é real. Além disso, mesmo que a tensão persista, será necessário um esforço teórico para reinterpretar observações dentro de modelos que relaxem a simetria FLRW sem entrar em conflito com evidências já bem estabelecidas, como o CMB. Pode levar anos, possivelmente décadas, de observações mais precisas até encontrarmos uma resposta para isso.

Referência da notícia

Secrest et al. 2025 Colloquium: The cosmic dipole anomaly Reviews of Modern Physics