Telescópio Euclid encontra relação entre fusão de galáxias e buracos negros supermassivos

Um mistério de décadas dentro da Astronomia pode ter sido respondido com observações do Telescópio Euclid mostrando a relação entre os dois fenômenos.

Novo dataset do telescópio Euclid pode ter respondido um mistério sobre buracos negros supermassivos e fusões nucleares. Crédito: ESA
Novo dataset do telescópio Euclid pode ter respondido um mistério sobre buracos negros supermassivos e fusões nucleares. Crédito: ESA

Durante muito tempo, astrônomos observaram uma correlação entre fusões de galáxias e a atividade de núcleos galácticos ativos (AGNs). Essa correlação é observada especialmente no período do Universo conhecido como redshift 2, cerca de 10 bilhões de anos atrás. Essa era corresponde ao auge da formação estelar, do crescimento de buracos negros supermassivos e quando colisões entre galáxias eram muito mais frequentes. Havia um forte indício de que as fusões poderiam alimentar os buracos negros.

Apesar da correlação, a presença simultânea de fusões e AGNs não era suficiente para provar que um evento causava o outro. Muitos AGNs pareciam surgir sem sinais claros de fusões recentes, enquanto diversas galáxias em processo de fusão não mostravam AGNs. Os catálogos de AGNs e de galáxias em processo de fusão eram limitados em profundidade ou cobertura, não permitindo saber se a relação era real ou apenas estatística.

Para compreender se realmente havia uma ligação causal, astrônomos buscaram amostras muito maiores, homogêneas e profundas. Isso foi possível com os novos dados do telescópio espacial Euclid que já catalogou milhões de galáxias. As análises iniciais indicam que, ao observar galáxias em diferentes estágios de fusão e compará-las com a presença de AGNs, parece ter um padrão e uma relação de fato. Caso confirmado, uma das perguntas de anos da Astronomia pode ter sido respondida.

AGNs

AGNs são regiões localizadas no centro de algumas galáxias, onde um buraco negro supermassivo está sendo alimentado por gás e poeira de forma intensa. À medida que esse material se aproxima do buraco negro, ele forma um disco de acreção aquecido a temperaturas altas. Esse disco emite radiação que pode abranger todo o espectro eletromagnético, o que torna os AGNs umas das fontes contínuas mais luminosas do Universo.

Os AGNs são objetos complexos e, em muitos casos, estruturas adicionais, como toros de poeira ajudam a compor o ambiente que causa essas assinaturas observáveis.

Além da emissão de luz extrema, muitos AGNs produzem jatos relativísticos que são feixes estreitos de partículas aceleradas a velocidades próximas à da luz. Geralmente, esses jatos são lançados perpendicularmente ao disco de acreção e podem se estender por milhares de anos-luz. A física por trás dos AGNs envolve desde processos da magnetohidrodinâmica até aceleração de partículas. Esses fenômenos acabam desempenhando um papel na evolução galáctica, regulando a formação de estrelas e redistribuindo energia e material.

Relação com fusão de galáxias

A relação entre AGNs e fusões de galáxias tem sido um dos temas mais investigados quando se fala de Cosmologia observacional. No período do Universo conhecido como redshift 2, observações mostraram uma correlação: galáxias em processo de fusão apresentavam maior probabilidade de abrigar um núcleo ativo. Isso sugeria que as interações gravitacionais poderiam enviar grandes quantidades de gás para o centro, alimentando o buraco negro supermassivo e causando o AGN.

Apesar dessa correlação estatística, a causalidade permaneceu incerta. Nem todas as galáxias em fusão mostram sinais de AGNs, e muitos AGNs surgem em galáxias aparentemente isoladas. Além disso, a complexidade das escalas de tempo dificultava encontrar uma relação. Isso porque as fusões podem durar centenas de milhões de anos, enquanto a fase AGN pode ser intermitente. Por isso, até recentemente, astrônomos ainda não conseguiam responder definitivamente se as fusões eram um fator determinante para ativar um AGN

Observações do Euclid

O grande problema era a falta de dados mais precisos para analisar essas correlações. Porém, esse problema foi resolvido com as novas observações do telescópio espacial Euclid que analisou milhões de galáxias. Com essa nova análise com uma quantidade enorme de dados, os astrônomos finalmente conseguiram encontrar uma ligação mais forte entre fusões galácticas e AGNs. Galáxias em processo de fusão apresentam entre duas e seis vezes mais AGNs do que galáxias isoladas.

Euclid encontrou milhões de galáxias que estão em processo de fusão e que não estão, com isso foi possível encontrar uma relação entre processo de fusão e AGNs. Crédito: Euclid Collaboration 2025
Euclid encontrou milhões de galáxias que estão em processo de fusão e que não estão, com isso foi possível encontrar uma relação entre processo de fusão e AGNs. Crédito: Euclid Collaboration 2025

Eles encontraram também que para os AGNs mais luminosos, as fusões parecem ser o único mecanismo capaz de fornecer matéria em volume suficiente. Além disso, os pesquisadores encontraram diferenças entre fusões em diferentes estágios. Em fusões jovens e ricas em poeira, há seis vezes mais AGNs do que em galáxias sem fusão aparente. Já em fusões mais maduras, a frequência é cerca de duas vezes maior.

Nova técnica

Esses resultados sugerem que muitos AGNs encontrados em galáxias sem processo de fusão, podem ser sistemas que já completaram a fase caótica da fusão. As observações do Euclid oferecem a evidência mais forte até agora de que as fusões são o principal gatilho para a ignição de AGNs. Esse resultado só foi possível com os dados obtidos pelo Euclid que observou milhões de galáxias em diferentes regiões do céu.

Por causa da quantidade de dados, era inviável usar métodos tradicionais para conseguir analisar cada um. Por causa disso, a colaboração Euclid desenvolveu uma técnica usando inteligência artificial para decomposição de imagens. Esse método usa IA para separar a luz da galáxia hospedeira da emissão do AGN, identificando mesmo os núcleos mais fracos que passariam despercebidos por técnicas tradicionais. Além de detectar AGN com maior sensibilidade, o modelo consegue quantificar seu brilho e encontrar algumas propriedades.

Referência da notícia

First Euclid statistical study of galaxy mergers and their connection to active galactic nuclei. 11 de setembro, 2025. Euclid Collaboration 2025