O escudo invisível da Terra está enfraquecendo: o que aconteceria com o Sol se o campo magnético colapsasse?
O campo magnético da Terra está passando por um de seus períodos de menor intensidade em séculos. Surgem, então, perguntas compreensíveis: O que tudo isso significa? Estamos em risco? Nosso escudo natural pode realmente "colapsar"?

Vamos ser sinceros. A cultura pop dominou o conceito de "escudos". Dos escudos de energia em Star Wars, ao Nen nos animes, ao Honmoon dos guerreiros do K-Pop, ao escudo de Wakanda, até a cúpula de Springfield em Os Simpsons. Milhares de versões... e apenas algumas que, cientificamente, realmente cumprem sua função.
Poderíamos mencionar a camada de ozônio — em sua luta ativa contra a radiação ultravioleta — e o campo magnético, que, não, não serve apenas para bússolas. Vamos falar sobre o escudo invisível que envolve a Terra, uma espécie de campo de força que nos protege.
Este campo não é fixo nem eterno, e neste momento encontra-se em um dos seus pontos mais fracos. A ideia parece perturbadora, não é? O que aconteceria se esse escudo colapsasse? Seriam desencadeadas tempestades solares imparáveis? O Sol se aproximaria da Terra? Ficaríamos desprotegidos da radiação? Ou pior, sem internet?
Vamos por partes. A verdadeira resposta é mais interessante do que qualquer cenário apocalíptico e, sobretudo, muito mais complexa. Porque sim, o campo magnético está enfraquecendo, mas há pontos importantes a se considerar.

E para entender isso, precisamos viajar, à moda de Júlio Verne, até o núcleo da Terra. Onde o ferro líquido gira, sobe e desce. Lá, a mais de 3.000°C, está a origem do campo magnético terrestre e as respostas que buscamos.
Coração de ferro
O campo magnético da Terra é produto de um mecanismo conhecido como geodínamo. O núcleo externo do planeta, composto de ferro e níquel líquidos, está a cerca de 3000–4000°C e perde calor para o manto terrestre. Essa diferença de temperatura faz com que o metal líquido se mova por convecção (isto é, sobe quando está mais quente e desce quando esfria).
A isso se soma a rotação da Terra, que faz com que esses fluxos se movam em colunas helicoidais (como vórtices alongados em espiral). Esse movimento é especialmente importante porque metais em movimento conduzem eletricidade. E quando um metal condutor se move, ele gera correntes elétricas que, por sua vez, produzem um campo magnético.
É assim que surge o campo magnético da Terra, que possui dois pontos-chave: os polos magnéticos norte e sul; estes não coincidem exatamente com os polos geográficos e, além disso, estão em movimento. E o formato da magnetosfera (o escudo) depende de como esses polos estão orientados em relação ao Sol.
El campo magnético terrestre actúa como un escudo protector que desvía gran parte de la radiación cósmica y las partículas cargadas que provienen del Sol.
— Informa Cosmos (@InformaCosmos) February 5, 2025
pic.twitter.com/4EMWG3Hma3
Este campo desvia a maior parte do vento solar, um fluxo de partículas carregadas provenientes do Sol que, se atingissem a atmosfera diretamente, a erodiriam, aumentariam a radiação na superfície, interromperiam os sistemas elétricos e de comunicação e causariam tempestades geomagnéticas mais severas.
Além disso, muitas espécies utilizam o campo magnético da Terra como referência de navegação. Borboletas-monarca, pombos, andorinhas, tartarugas marinhas, salmões e alguns tubarões possuem sua própria "magnetossensibilidade", que lhes permite orientar-se ao atravessar continentes ou navegar em mar aberto.
Mas esse não é um mecanismo estável. O geodínamo é caótico. Ele pode se fortalecer, enfraquecer e até mesmo inverter sua polaridade (quando os polos magnéticos se invertem). No entanto, esses são processos que levam milhares de anos.
Um escudo com rachaduras: a Anomalia do Atlântico Sul
O que é certo é o enfraquecimento atual do campo magnético. Graças a missões como a Swarm, da Agência Espacial Europeia (ESA), sabemos agora que a intensidade magnética global diminuiu cerca de 10% nos últimos 180 anos.
E o foco das atenções está na Anomalia do Atlântico Sul (AAS), uma área que abrange o Brasil, o Paraguai, o Uruguai, o norte da Argentina e parte do Oceano Atlântico, onde o campo magnético é até 30% mais fraco do que nas áreas circundantes. Estudos recentes acrescentaram dois pontos-chave a respeito dessa anomalia.
Primeiro, uma análise publicada em 2024 mostra que a AAS é uma característica persistente do campo magnético que aparece repetidamente há milhões de anos. Em outras palavras, esse "ponto fraco" não é novo; faz parte da própria arquitetura e evolução do geodínamo.
E segundo, um estudo com onze anos de observações do Swarm, publicado em 2025, confirmou que a anomalia não só está crescendo, como também apresenta duas áreas de intensidade mínima. O núcleo da Terra está se reajustando.
Agora — e isto é essencial para evitar alarmismo — uma anomalia regional não significa que o setor agrícola vai entrar em colapso, nem que estamos prestes a enfrentar investimentos. Mas e se o setor agrícola entrasse em colapso?
Se o campo colapsasse...
Em primeiro lugar: o campo magnético não desaparece subitamente. Mesmo durante inversões magnéticas passadas, ele nunca chegou a zero. O enfraquecimento leva milhares de anos, e a Terra nunca ficou sem um campo magnético.
Após o 'microinfarto' inicial, se ele enfraquecesse a níveis muito baixos, estes seriam os efeitos reais:
- Aumento da vulnerabilidade tecnológica: a chegada de partículas carregadas aumentaria as falhas de satélites, os problemas de GPS e de comunicação, a interferência na aviação em altas latitudes e os danos a sensores, painéis e componentes eletrônicos espaciais.
- Auroras distantes do Ártico: com um campo magnético fraco, as auroras se deslocariam para latitudes médias e o México, o Caribe, a Espanha ou mesmo o norte da Argentina poderiam vê-las com relativa frequência.
- Não haveria consequências catastróficas para a vida: a atmosfera continuaria sendo a principal barreira contra a radiação nociva (três vivas para a camada de ozônio!).
- E o Sol... permaneceria o mesmo: o campo magnético não afeta a dinâmica solar, o que mudaria é como os eventos solares nos afetam.
E, mais importante, o campo magnético é um organismo dinâmico. Suas mudanças são naturais, internas ao planeta e lentas. Não podemos modificá-las ou "corrigi-las". Nem as emissões, nem as mudanças climáticas, nem qualquer atividade na superfície afetam o núcleo externo, onde o campo é gerado. O que se faz necessário é um monitoramento científico mais intenso e a preparação para conviver com suas mudanças.
Referências da notícia
Long-term persistency of a strong non-dipole field in the South Atlantic. 2024. Wellington P. de Oliveira, Gelvam A. Hartman, Filipe Terra-Nova, et al. Nature Communications 15.
Core field changes from eleven years of Swarm satellite observations. 2025. C.C. Finlay, C. Kloss y N. Gillet. Physics of the Earth and Planetary Interiors 368.