Lentes gravitacionais: as lupas cósmicas que revelam os segredos do universo
Essas formidáveis "lupas cósmicas" nos permitem observar galáxias distantes, estudar a matéria escura e remontar aos primeiros momentos após o Big Bang. Uma nova geração de telescópios promete multiplicar essas descobertas.

A astronomia vive uma era de ouro graças a telescópios mais potentes, mas mesmo a tecnologia mais avançada não consegue competir com as lentes gravitacionais, um fenômeno natural que multiplica nossa capacidade de observar o cosmos.
As lentes gravitacionais são uma das demonstrações mais espetaculares da teoria da relatividade geral de Albert Einstein. Segundo o físico alemão, a massa deforma o espaço-tempo da mesma forma que um objeto pesado comprime um colchão.
A chave é o alinhamento: esse efeito só ocorre quando a fonte de luz, a lente e o observador estão alinhados em linha reta. Nesses casos, os telescópios detectam múltiplas versões distorcidas do mesmo objeto distante.
Além do que vemos: a matéria escura
Einstein nunca imaginou o impacto que esse fenômeno teria na astronomia moderna. Ele até pensou que jamais poderia ser observado. Décadas depois, a detecção das lentes gravitacionais abriu uma nova janela para o estudo não apenas da matéria visível, mas também da matéria invisível.

As teorias atuais indicam que cerca de 85% da matéria no universo é "escura", o que significa que não emite luz ou radiação detectável. As lentes gravitacionais nos permitem medir como essa matéria invisível curva a luz, oferecendo pistas sobre sua distribuição e propriedades.
Além disso, esse efeito cósmico ajuda a mapear aglomerados de galáxias e fornece informações sobre a geometria do universo: se ele é plano, curvo ou em expansão. Consequentemente, também se torna uma ferramenta fundamental para investigar a energia escura, a força misteriosa que impulsiona a aceleração do cosmos.
Uma viagem ao universo primitivo
A ampliação produzida pelas lentes gravitacionais multiplica o brilho dos objetos de fundo de dez a cem vezes. Isso permite que os astrônomos observem as primeiras galáxias formadas após o Big Bang com extraordinária clareza.

O Telescópio Espacial James Webb, por exemplo, usou esse efeito para recuar mais de 13 bilhões de anos no tempo e estudar como era o universo apenas 300 milhões de anos após sua origem. Essas observações ajudam a reconstruir a evolução da Via Láctea e a projetar como ela poderá se transformar no futuro.
A nova era das grandes revelações
Encontrar lentes gravitacionais não é fácil: são fenômenos raros, comparáveis a agulhas em um palheiro cósmico. Detectá-las requer imagens de altíssima qualidade de grandes áreas do céu noturno.
Nesse sentido, dois novos projetos prometem revolucionar a área. O Telescópio Espacial Euclides, lançado em 2023 pela Agência Espacial Europeia (ESA), capturará imagens de um terço do céu com precisão sem precedentes. Já o Observatório Vera Rubin, no Chile, registrará todo o céu do Hemisfério Sul e criará o "time-lapse" mais detalhado do universo.
Estima-se que juntos eles descobrirão até 100.000 novas lentes gravitacionais, cem vezes mais do que as atualmente conhecidas.
Ciência cidadã e inteligência artificial
A quantidade de dados que esses telescópios gerarão é imensa, e os cientistas não conseguem analisá-la sozinhos. Por isso, o projeto Euclid da ESA utiliza a ciência cidadã para treinar modelos de inteligência artificial (IA). Voluntários classificam imagens para identificar possíveis lentes gravitacionais, e a IA replica essa tarefa em grande escala.
Dessa forma, a combinação de tecnologia de ponta, colaboração global e o poder natural da gravidade abre um panorama sem precedentes. As lentes gravitacionais consolidam-se como ferramentas essenciais para decifrar os enigmas mais profundos do universo.
Referência da notícia
The most powerful tool in an astronomer’s arsenal is a lens – but not the kind you might think. 19 de agosto, 2025. Tania Barone.