Lentes gravitacionais: as lupas cósmicas que revelam os segredos do universo

Essas formidáveis "lupas cósmicas" nos permitem observar galáxias distantes, estudar a matéria escura e remontar aos primeiros momentos após o Big Bang. Uma nova geração de telescópios promete multiplicar essas descobertas.

O Telescópio Espacial Hubble captura uma lente gravitacional impressionante chamada GAL-CLUS-022058s. Aqui, um aglomerado de galáxias deforma uma galáxia ao fundo, dando-nos uma visão de perto de como era esta galáxia há 9 bilhões de anos. Crédito: ESA/Hubble e NASA, S. Jha.

A astronomia vive uma era de ouro graças a telescópios mais potentes, mas mesmo a tecnologia mais avançada não consegue competir com as lentes gravitacionais, um fenômeno natural que multiplica nossa capacidade de observar o cosmos.

As lentes gravitacionais são uma das demonstrações mais espetaculares da teoria da relatividade geral de Albert Einstein. Segundo o físico alemão, a massa deforma o espaço-tempo da mesma forma que um objeto pesado comprime um colchão.

Quando a luz de galáxias distantes passa por essas regiões distorcidas por enormes aglomerados de galáxias, seu caminho é curvado e amplificado, criando imagens ampliadas de objetos que de outra forma seriam invisíveis.

A chave é o alinhamento: esse efeito só ocorre quando a fonte de luz, a lente e o observador estão alinhados em linha reta. Nesses casos, os telescópios detectam múltiplas versões distorcidas do mesmo objeto distante.

Além do que vemos: a matéria escura

Einstein nunca imaginou o impacto que esse fenômeno teria na astronomia moderna. Ele até pensou que jamais poderia ser observado. Décadas depois, a detecção das lentes gravitacionais abriu uma nova janela para o estudo não apenas da matéria visível, mas também da matéria invisível.

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As teorias atuais indicam que cerca de 85% da matéria no universo é "escura", o que significa que não emite luz ou radiação detectável. As lentes gravitacionais nos permitem medir como essa matéria invisível curva a luz, oferecendo pistas sobre sua distribuição e propriedades.

Além disso, esse efeito cósmico ajuda a mapear aglomerados de galáxias e fornece informações sobre a geometria do universo: se ele é plano, curvo ou em expansão. Consequentemente, também se torna uma ferramenta fundamental para investigar a energia escura, a força misteriosa que impulsiona a aceleração do cosmos.

Uma viagem ao universo primitivo

A ampliação produzida pelas lentes gravitacionais multiplica o brilho dos objetos de fundo de dez a cem vezes. Isso permite que os astrônomos observem as primeiras galáxias formadas após o Big Bang com extraordinária clareza.

Neste diagrama, um aglomerado de muitas galáxias distorce os raios de luz de outra galáxia localizada atrás dele. Quando observado da Terra, vemos a galáxia de fundo como um arco distorcido e bastante ampliado ao redor do aglomerado em primeiro plano. Crédito: NASA, ESA e L. Calçada.

O Telescópio Espacial James Webb, por exemplo, usou esse efeito para recuar mais de 13 bilhões de anos no tempo e estudar como era o universo apenas 300 milhões de anos após sua origem. Essas observações ajudam a reconstruir a evolução da Via Láctea e a projetar como ela poderá se transformar no futuro.

A nova era das grandes revelações

Encontrar lentes gravitacionais não é fácil: são fenômenos raros, comparáveis a agulhas em um palheiro cósmico. Detectá-las requer imagens de altíssima qualidade de grandes áreas do céu noturno.

Nesse sentido, dois novos projetos prometem revolucionar a área. O Telescópio Espacial Euclides, lançado em 2023 pela Agência Espacial Europeia (ESA), capturará imagens de um terço do céu com precisão sem precedentes. Já o Observatório Vera Rubin, no Chile, registrará todo o céu do Hemisfério Sul e criará o "time-lapse" mais detalhado do universo.

Estima-se que juntos eles descobrirão até 100.000 novas lentes gravitacionais, cem vezes mais do que as atualmente conhecidas.

Ciência cidadã e inteligência artificial

A quantidade de dados que esses telescópios gerarão é imensa, e os cientistas não conseguem analisá-la sozinhos. Por isso, o projeto Euclid da ESA utiliza a ciência cidadã para treinar modelos de inteligência artificial (IA). Voluntários classificam imagens para identificar possíveis lentes gravitacionais, e a IA replica essa tarefa em grande escala.

Dessa forma, a combinação de tecnologia de ponta, colaboração global e o poder natural da gravidade abre um panorama sem precedentes. As lentes gravitacionais consolidam-se como ferramentas essenciais para decifrar os enigmas mais profundos do universo.

Referência da notícia

The most powerful tool in an astronomer’s arsenal is a lens – but not the kind you might think. 19 de agosto, 2025. Tania Barone.