A Via Láctea está presa em um vazio cósmico de bilhões de anos-luz de tamanho

Novo estudo discute resultados observacionais que argumentam que a Via Láctea está presa em um vazio cósmico.

A rede cósmica do Universo é composta por galáxias que estão nos filamentos e regiões de vazios com baixa densidade de matéria nos vazios. Crédito: ESA
A rede cósmica do Universo é composta por galáxias que estão nos filamentos e regiões de vazios com baixa densidade de matéria nos vazios. Crédito: ESA

Quando observamos o Universo, principalmente considerando grandes distâncias, nós conseguimos perceber que o Universo parece uma teia de aranha. Nós observamos filamentos que são regiões com concentração de galáxias e também regiões vazias chamadas de vazios cósmicos. Essas regiões podem ter tamanhos de centenas de milhões de anos-luz. A Via Láctea parece estar localizada em um dos filamentos dessa rede, mas alguns astrônomos acreditam que estamos em um vazio.

Um dos motivos para alguns astrônomos acreditarem que a Via Láctea pertence a um vazio está relacionado com o problema chamado de tensão de Hubble. Esse problema é causado pela discrepância entre os valores da constante de Hubble medidos por diferentes métodos. Uma das soluções para isso é a ideia de que vivemos dentro de um desses vazios e com isso a expansão do espaço ao nosso redor seria ligeiramente mais rápida. Isso explicaria valores maiores obtidos nas medições locais da constante de Hubble.

Um novo estudo publicado recentemente propôs testar essa hipótese por meio da análise da oscilação acústica bariônica (BAO). A BAO é um tipo de "impressão digital" que foi deixada pelas flutuações de densidade logo após o Big Bang. Analisando o BAO junto com a análise de distribuição de galáxias em grandes escalas seria possível estudar a hipótese de estarmos em um vazio cósmico ou não. O artigo foi publicado em junho pela revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

Rede cósmica

A rede cósmica é formada por filamentos compostos por galáxias, gás e matéria escura. Os filamentos se conectam entre si criando regiões de baixa densidade chamadas de vazios cósmicos. Quando olhamos para o Universo em grande escala, é essa estrutura que observamos tanto em dados observacionais quanto nas simulações cosmológicas. Por causa da semelhança com uma teia de aranha irregular, a rede também é chamada de teia.

Essa estrutura surgiu a partir das pequenas flutuações de densidade quando o Universo nasceu e aos poucos foi sendo moldada por causa da interação gravitacional entre galáxias.

Essa interação gravitacional entre galáxias cria ambientes com centenas a milhares de componentes e são chamadas de aglomerados de galáxias. Os aglomerados de galáxias ficam, geralmente, nas interseções dos filamentos, enquanto os filamentos são regiões com menos galáxias como os grupos. Já os vazios são regiões com baixa quantidade de matéria e é até difícil observar essas regiões já que emitem pouca luz.

Tensão de Hubble

Ao mesmo tempo que os filamentos são moldados pela gravidade, o Universo está uma expansão acelerada. Essa expansão é medida a partir da constante de Hubble que indica a taxa de expansão. No entanto, há uma discrepância entre os métodos de medir essa constante. Medições baseadas na radiação cósmica de fundo (CMB), que são de regiões distantes, estimam um valor em torno de 67 km/s/Mpc. Já observações diretas de supernovas em galáxias próximas indicam um valor maior, em torno de 73 km/s/Mpc.

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Essa discrepância é chamada de tensão de Hubble e tem sido um desafio para astrônomos nas últimas décadas. Uma das hipóteses para resolver essa tensão é que estamos localizados em uma região de menor densidade, ou seja, um vazio. Se estivermos em um vazio, a gravidade nessa região seria menor, galáxias pareceriam estar se afastando mais rapidamente. Isso criaria a ilusão de que a constante de Hubble seria mais alta aqui, enquanto o valor seria mais baixo, como sugerido pelas medições da CMB.

Oscilações Acústicas Bariônicas (BAO)

As Oscilações Acústicas Bariônicas (BAO) são padrões de variação na distribuição de galáxias. Esses padrões de variação surgiram a partir de ondas que se propagaram no plasma primordial do Universo logo após o Big Bang. Essas oscilações deixaram uma marca na matéria visível que observamos hoje e parece criar "escala de preferência" na separação entre galáxias.

O estudo das BAOs permite entender como foi expansão do Universo ao longo do tempo dando indícios de como a gravidade e energia escura atuaram. Além disso, a BAO serve como evidências observacionais para testar modelos cosmológicos. Ao observar a posição e a distribuição dessas oscilações em diferentes épocas do Universo, os astrônomos conseguem encontrar a taxa de expansão naquela época.

Estamos em um vazio?

Dois astrofísicos estudaram observações das BAO para testar a hipótese de que a Via Láctea, junto com o Grupo Local, estaria em um desses vazios. O artigo foi publicado na MNRAS e apresenta as comparações entre previsões deste modelo com os dados observacionais das BAO. Segundo o artigo, os astrofísicos mostram que o modelo que estamos dentro um vazio se ajusta melhor aos dados observacionais.

Em particular, eles encontraram que quanto mais próximos os objetos estão, mais os dados se afastam da ideia que estamos em uma região densa e se alinham com a hipótese do vazio. Isso reduz a diferença entre as medições locais e globais da taxa de expansão do Universo. Assim, segundo eles, os dados das BAO parecem reforçar a ideia de que vivemos em uma região com menos matéria, o que poderia explicar parte da tensão sem precisar mudar toda a cosmologia padrão.

Referência da notícia

Banik & Kalaitzidis 2025 Testing the local void hypothesis using baryon acoustic oscillation measurements over the last 20 yr Monthly Notices of the Royal Astronomical Society