Recordes climáticos em jogo: IA x previsão numérica; quem acerta quando o tempo passa do limite?
Este texto explica um estudo que comparou modelos de IA e o sistema numérico ECMWF-HRES na previsão de recordes de calor, frio e vento, e mostra por que os resultados importam para alertas, planejamento e decisões cotidianas.

Ondas de calor históricas, friagens intensas e rajadas de vento fora da curva mudam rotinas, pressionam sistemas de energia e colocam vidas em risco. Com a popularização dos modelos de Inteligência Artificial (IA) para previsão do tempo, surgiu a pergunta que realmente importa para quem toma decisões: quando o clima extrapola o que já vimos, quem enxerga melhor o que vem aí?
Usando o conjunto de reanálise ERA5 e o benchmark aberto WeatherBench 2, os autores avaliaram anos com muitos extremos (2018 e 2020) para medir quem acerta quando o clima quebra recordes. O resultado chama atenção: a IA vai bem no geral, mas fica aquém justamente nos eventos inéditos.
Como a comparação foi feita
A avaliação focou em eventos recordes: calor, frio e vento que ultrapassam o máximo ou mínimo histórico de cada ponto do globo, mês a mês. Em vez de olhar só para médias globais, o estudo mapeou onde e quando 2018 e 2020 superaram o passado, criando um teste duro, e prático, para o que realmente importa em alertas.

Para cada horizonte de previsão (de poucas horas a vários dias), as previsões dos modelos de IA foram comparadas ao HRES. A verificação usou o ERA5 e produtos do próprio HRES como referência, medindo não apenas o erro médio, mas também o viés (se a previsão tende a “puxar” para mais quente ou mais frio), a capacidade de detectar que um recorde vai ocorrer e o quão bem cada sistema classifica as chances de um evento extremo.
O que os resultados mostram
Em eventos do dia a dia, sem recorte para recordes, as IAs costumam igualar, e às vezes superar, o desempenho do HRES para variáveis como temperatura a 2 m e vento. Mas quando o filtro é duro (apenas o que quebra recorde), o HRES mantém vantagem consistente, especialmente nos prazos mais curtos, que são cruciais para defesa civil e operação de redes elétricas. A diferença diminui com prazos mais longos, mas não some.
Principais achados em linguagem direta:
- As IAs subestimam a intensidade de calor recorde e superestimam frio recorde.
- Quanto maior a quebra de recorde, maiores tendem a ser os erros das IAs.
- As IAs detectam menos ocorrências de recordes (mais “falsos negativos”).
- O HRES apresenta viés menor e melhor equilíbrio entre acerto e alarme falso.

Essa fotografia se repete em diferentes estações do ano e em zonas climáticas distintas, o que dá robustez às conclusões. Além disso, checagens alternativas, por exemplo, métricas que evitam favorecer quem “chuta” valores extremos, preservam o mesmo quadro geral: nas situações que mais preocupam, a previsão numérica do ECMWF segue na frente.
Impacto e próximos passos
Para o público, a mensagem é simples: modelos de IA já são excelentes para muitas tarefas, mas, no momento, não devem atuar sozinhos em alertas de alto risco. Para prefeituras, defesa civil, saúde, agricultura e energia, a estratégia mais segura é combinar a rapidez e o detalhe espacial dos sistemas de IA com a consistência física e a confiabilidade dos modelos numéricos operacionais.
O estudo reforça um caminho pragmático para o Brasil: ampliar o uso de IAs como parceiras, não substitutas, dos centros operacionais, incentivar benchmarks abertos (como o WeatherBench 2) e investir em validações transparentes, focadas justamente nos eventos que estressam o sistema.
Em um cenário de extremos mais frequentes, acertar o “raro” deixa de ser luxo e vira exigência. Até lá, o recado é claro: IA + NWP em paralelo, com verificação rigorosa, salva tempo, recursos e vidas.
Referência da notícia
Numerical models outperform AI weather forecasts of record-breaking extremes. 21 de agosto, 2025. Zhang, Z. et. al.